quarta-feira, 17 de julho de 2013

Para que servem os amigos virtuais?

* Por Mara Narciso

Eu já me desentendi feio com meu primeiro amigo virtual. Ficamos sem nos falar por alguns anos. Depois nos reencontramos no Facebook, e ele novamente me aceitou. Tinha sido eu a romper uma amizade de dois anos, chamando-o de imaturo e infantil. Teclamos a primeira vez em dezembro de 2001 num precário chat de um site de diabetes, o primeiro em que eu entrei, e não de forma simultânea, porém em dias diferentes. Falei com as paredes e fui respondida por ele noutro dia. Marcamos para o chat Terra, idades. Trabalhava no setor administrativo de uma fábrica de papel. O centro de tudo era a infusão contínua de insulina que ele usava, e eu aprendi muito com ele. A amizade rendeu e-mails diários e PPSs anexos lindos durante um par de anos. Depois, após uma lesão em sua córnea, fiz por telefone, um alerta exagerado, que ele não gostou e brigamos. Refizemos o contato, mas nossa amizade esfriou. Nunca nos vimos. Ele mora em São Paulo e eu em Montes Claros.

Em agosto de 2002 conheci uma gaúcha numa tarde de sábado, no chat Terra, idades 40/50. Era um pouco agressiva, naquela ocasião, como também bastante perspicaz e esperta. Morando em Porto Alegre, tivemos embates políticos contundentes via Messenger, com tecladas furiosas e altos argumentos, pois ocupávamos posições opostas. Acompanhamos sistematicamente a vida uma da outra, profissional, familiar, financeira e amorosa com doenças, brigas, mortes, separações e uniões. Era divorciada e não tinha filhos. Também trocávamos e-mails com frequência. Ela se aposentou, enquanto eu tenho novas atribuições. Ainda assim interagimos com frequência. Já nos acalentamos uma a outra algumas vezes, inclusive por telefone. É do tipo que se mostra numa voz grave, mas se esconde com poucas fotos.

Teclei com “DoceAmiga”, uma catarinense do interior, alfabetizadora e muito discreta, também em agosto de 2002, no Terra. No começo só falava de amizades com padres e procissões. Era casada e tinha um filho. Teclávamos diariamente e ainda havia e-mails, fotos e Messenger, inclusive com câmera. Pessoa muito séria fez três faculdades depois daquele tempo, o que operou em sua cabeça uma verdadeira revolução, que acompanhei entre curiosa e admirada. Estivemos muito ocupadas, mas trocamos fotos e falamos de problemas gerais e pessoais. Acabo dando palpites médicos. Ela telefonou por muitos sábados seguidos, e assim, ficamos conhecendo detalhes da vida e da família uma da outra. Meu horror é o frio que faz na terra dela, e o seu orgulho é a estrada da Serra do Rastro. De toda viagem manda fotos. Temos vontade de nos ver pessoalmente, mas de que jeito?

Através do meu primeiro amigo virtual fiquei conhecendo uma moça de Goiânia. Ela também usava a bomba de insulina, desenhava, escrevia poemas, era casada e tinha um filho. Cheguei a conhecê-la pessoalmente, quando fui a um Congresso de Diabetes na cidade dela. Fez direito, separou-se e acabou casando-se com um médico. O filho dela, hoje adolescente, tem uma banda de música. Os nossos e-mails funcionavam como um divã online. Ela tinha um blog onde postava textos sobre vampiros. Através dela conheci um ex-jornalista e escritor também em Goiânia, pelos idos de 2004, que participava de saraus dos quais ela também participava. Com ele, falava sobre literatura no Messenger com webcam. Política e socialmente ativo, algumas de nossas ideias eram discordantes, e como letras escritas não têm entonação, rompemos numa ocasião em que critiquei o culto a vaidade nas Academias de Letras. Ele gostava do meu jeito, e já tinha escrito umas duas ou três crônicas falando de mim e de assuntos que discutíamos. É casado pela segunda vez. Faz o estilo culto que valoriza as tradições. Voltamos às boas, e hoje, este meu amigo, que é um pouquinho vaidoso me ligou e tivemos um papo gostoso. Frequento e comento assiduamente o blog dele, e soube que um dos seus filhos, que não era visto há anos, porque morava nos Estados Unidos, chegou sem avisar, no dia do aniversário do pai, trazendo um novo neto. Fácil imaginar o que meu amigo sentiu.

No dia em que enterrou a mãe, em 1º de abril de 2003 eu conheci esse engenheiro interessante que muito me divertia. Também foi no chat Terra idades. “Veio” era casado e tinha um filho biológico e uma filha adotiva muito ciumenta. Ela achou um e-mail em que eu o elogiava e escreveu desaforos para mim. O pai mostrou a ela que gostávamos um do outro de maneira fraterna. Morando em Paranaguá, chegou a reitor e foi peça importante na política de lá. Tem múltiplas habilidades e é pessoa engraçada e interessante. Gosta de escrever palavrão, porém contextualizado. No dia em que foi submetido a cinco pontes safenas e uma mamária, conversei apavorada pelo telefone com seu pai, hoje falecido. Sabemos de muitas preferências um do outro. Telefonamos nos aniversários e gostaria muito de vê-lo, mas é ocupadíssimo.

Não sei o ano certo, mas lá por 2005 conheci uma pessoa fabulosa, que, aos 60 anos fazia sua terceira faculdade. Muito bonito e alto, tem saúde frágil, mas suas atitudes e confiança não sugerem essa situação. Transmite coragem com tal convicção que impede qualquer um de ter autopiedade. Enfrenta as intempéries com força invejável. Fez cirurgia cardíaca, enfrentou um câncer, e após perder um filho para as drogas, anos atrás (overdose), trabalhou nas campanhas de valorização da vida. Mora em Guarujá, tem uma dúzia de netos, adora ser professor e trabalha na área de Turismo. Morou no exterior, e recentemente me mostrou fotos de um cruzeiro marítimo.

O de Campinas é como um guru. Espécie de filósofo incansável, que lê e escreve sem parar, e tenta provar aos seus leitores que faz outras coisas além de letras. É discreto, não envia fotos e pouco sei da sua vida pessoal. Eu admiro a sua persistência e espírito incansáveis, e aqui ficaria falando dele e de todos os demais, inclusive da menina hiperativa do Rio de Janeiro, que conheci no Orkut em 2005. Meus amigos virtuais não chegam aos 3200 contatos do Facebook, mas talvez seja uma centena. Não darei os nomes, não gostarão do histórico e não faltarão ciúmes. Desconheço para que servem os amigos virtuais. Sei que surgem afetividade e emoção. Gosto desses seres incorpóreos, já incorporados. Letras na tela não têm sentimentos, mas quem as tecla sente.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   

3 comentários:

  1. Minha opinião a propósito, assim como minhas experiências, são muito parecidas com as suas, Mara. Também travei alguns “embates” com certas pessoas, pela internet, e me reconciliei em grande estilo. Minhas amizades virtuais, ao longo de dez anos, são, na maioria das vezes, mais agradáveis, e compensadoras (para ambas partes) do que grande parcela das, digamos, “presenciais”. Outro excelente texto seu, Mara e abordando, com bastante propriedade e de forma bem coloquial, um tema oportuno e super atual. Parabéns!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Os amigos virtuais são presenças diárias, e não há como não colocá-los na tela. Abordei apenas a amizade fraterna, mas as paixões são bastante intensas, e geram uma confiança instantânea. O tema é vasto. Voltarei ao assunto. Obrigada, Pedro.

      Excluir
  2. Oi, Mara. São muito pertinentes as suas reflexões. Imagino como deve ser enriquecedora a sua experiência no reino dos bytes, na condição de médica e com tantos contatos. Bom texto.

    ResponderExcluir