terça-feira, 23 de julho de 2013

A imbatível ironia

"O cronista só tem leitores se seu texto for um prazer". Esta afirmação é do publicitário Mauro Salles, em um artigo que publicou no jornal "Folha de S. Paulo", em 24 de janeiro de 1993 e reflete uma  verdade inquestionável, embora muitos escritores não atentem para ela e até discordem dessa constatação. Ninguém, hoje em dia, está disposto a perder tempo com lengalengas enfadonhas e azedas, em que o autor, em vez de procurar se comunicar quer, apenas, exibir erudição, que muitas vezes sequer tem. Adota linguagem pedante, empolada e ridícula. Aliás, não é só o cronista que deve escrever de forma atrativa, bem-humorada, inteligente e, sobretudo, clara. O mesmo vale para o contista, o poeta, o ensaísta, o romancista, o jornalista, o assessor de imprensa, p redator publicitário etc.etc.etc.

Mauro Salles admite: "As armas do humor... são difíceis de manejar. A ironia, a sátira, o sarcasmo, não são para qualquer um. Representam, na verdade, privilégio de uns poucos malabaristas da palavra, que conseguem escrever com segurança à beira de um abismo que vive recheado de grosserias, chulices, bestialógicos que, logicamente, não têm graça nenhuma". Nem todo texto, no entanto, se presta a fazer rir. Há assuntos que exigem, por si sós, certa fleugma, determinada seriedade, e em alguns casos, até mesmo um tanto de  solenidade. O segredo está na dosagem. O que é preciso é que o autor esteja de fato disposto a se comunicar e que tenha talento para isso. Nem todos (eu diria que a maioria) têm.

Alguns leitores observaram que várias das minhas crônicas, enfocando orgulho, sonho, sucesso, memória, tempo, passado etc. enfim, assuntos referentes a comportamento e até, forçando a barra, filosóficos. foram, digamos, muito sisudas, diferentes do meu estilo usual, descontraído e às vezes irreverente. Como poderiam deixar de ser?!? Os próprios temas sugerem certa seriedade, complexidade maior do que o simples memorialismo de textos que as antecederam, até uma aura de solenidade. Ademais, quem vive de escrever é pessoa comum, sujeita tanto a alegrias e estados de espírito positivos, quanto a aborrecimentos, tristezas, angústias e solidão. E eu não fujo à regra. Todos estes sentimentos, circunstâncias e emoções refletem-se no que escrevo, por mais que me policie. É inevitável.

Tenho inveja (e procuro imitar), os escritores que manejam com habilidade o instrumento da ironia. Um deles, é o romancista e dramaturgo irlandês, George Bernard Shaw, celebrizado por suas tiradas. Como esta: "Os jornais, ao que parece, são incapazes de distinguir um acidente de bicicleta do colapso da civilização". Poderia citar, ainda, neste caso, Samuel Clemens, que usava o pseudônimo de Mark Twain, e que tem uma infinidade de frases antológicas. Exemplo? Esta: "Parar de fumar é fácil. Eu mesmo já parei 54 vezes". Eça de Queiroz, em alguns de seus livros, igualmente exercitou com perícia a ironia. Em especial no "Correspondência de Fradique Mendes".

E o que dizer de Machado de Assis? Dispensa comentários. Na poesia, além de Carlos Drummond de Andrade, um dos que mais se valeram desse recurso, de difícil manejo, reitero, mas de resultados surpreendentes, foi meu poetinha dos Pampas, Mário Quintana. Exemplo são estes versos de seu poema "Da preocupação de escrever", que dizem: "Escrever...Mas por que? Por vaidade, está visto.../Pura vaidade, escrever!/Pegar da pena...Olha, que graça terá isto,/se já se sabe tudo o que se vai dizer!..."

Dos escritores estrangeiros que li, um dos que souberam se utilizar melhor da ironia foi o alemão Karl Kraus, pouco conhecido no Brasil, mas muito lido em seu país e na Europa. Cito, a seguir, algumas de suas frases, a título de informação aos que não o conhecem: "De noite todas as gatas são pardas, mesmo as loiras... Eu e meu público nos entendemos muito bem: ele não ouve o que eu digo, e eu não digo o que ele gostaria de ouvir...Não há nenhum ser mais infeliz sob o sol do que um fetichista que anseia por um sapato feminino e tem que se contentar com uma mulher inteira...A seriedade da vida é o brinquedo dos adultos. Só que ela não se compara com as coisas cheias de sentido que enchem o quarto de uma criança..." E vai por aí afora.

Em uma discussão, em uma controvérsia, em uma polêmica pública, não há recurso que desconserte mais o antagonista do que uma frase engraçada, de duplo sentido, apimentada de ironia. Derruba qualquer argumento solidamente embasado e faz o interlocutor sentir-se ridículo. Mas é, como alerta Mauro Salles, recurso para ser utilizado com parcimônia e apenas por pessoas que têm habilidade no manejo das palavras. E nunca se confunde com chulice e grosseria, que não refletem talento ou inteligência, mas apenas falta de educação.
                             

Boa leitura.

O Editor.


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