domingo, 21 de julho de 2013

Um mojito e olhos verdes

* Por Pablo Uchoa

O rum, quando toca minha língua, me recorda os canaviais de Cuba.

Retenho essa memória alguns segundos no céu da boca, depois a deixo escorrer suavemente pela garganta. Sorvo goles de melaço e hortelã e ainda me sobra um rastro doce, ou mais que isso, um rastro espesso, transbordante, o importantíssimo toque de hortelã no final.

Um mojito e seus olhos verdes.

Se eu fosse pintor, capturaria numa tela a óleo este momento e o título seria precisamente assim, “Mojito e olhos verdes”, mas que devaneio, eu jamais alcançaria a simbolizar tanta coisa junta. À falta de recursos eu apelaria para a fugacidade das metonímias, a parte pelo todo, no fundo tudo se resume a este mojito e aos seus olhos verdes.

Você baixa o olhar para os meus pés em busca de seguir meus passos, docemente enlaço sua cintura e segredo, não precisamos de coreografia para dançar este bolero tão lento, amor.

“Dos gardenias para ti...”

É uma canção que sabe a amores e nada mais, mesmo assim trago em mim uma revolução, “como Cinfuegos com este charuto na boca e esse cavanhaque que mais parece uma barba”, você graceja. Não liga a mínima para minhas convicções políticas. Pero la ternura...

Estou concentrado em explorar outras coisas, cafunés enquanto dançamos. Olho dentro dos seus olhos e quebro para o lado, procuro nos cantos do seu rosto mais doçura. Ou nos cantos do salão, nele estamos como no meu quadro metonímico, pinceladas cheias circundadas de outras, mais longilíneas, sugestão apenas. Um pedaço rasgado de um bilhete de amor que o vento esquecesse de levar embora.

Entre pernas e metonímias passamos as horas, resta-me o sabor de açúcar e hortelã e a lembrança de uns olhos verdes que devoravam como um ciclone tropical. Olhos cujo brilho nem a cerração ofuscaria, muito menos a penumbra cristalina de uma noite enluarada como a madrugada caribenha, miradas tiernas y sonidos corpóreos, deseos jadeantes y palabras calientes, cochichos em castelhano na maciez do travesseiro.

(*) Cronista e editor do site www.narizdecera.jor.br. Vive atualmente na Inglaterra, dedicando-se a pesquisas no Institute for the Studies of the Americas, da Universidade de Londres. Autor do livro-reportagem “Venezuela: A Encruzilhada de Hugo Chávez” (Ed. Globo, 2003), menção honrosa no prêmio Vladimir Herzog 2004.

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