Lição de vida
* Por Rodrigo Ramazzini
Certa
ocasião a vida me proporcionou conhecer a história do Valmor. Ele era senhor na
faixa dos 60 anos, com escassos cabelos pretos bem penteados com gel pra trás e
um corpo debilitado pelas dificuldades que vivera nos últimos anos. Caminhava
devagarzinho com o auxílio da bengala ou da sua esposa, a companheira
inseparável de todas das horas. Moravam em Porto Alegre e, se não me falhe a
memória, Valmor tinha trabalhado como bancário até se aposentar devido ao
surgimento de problemas de saúde. O pai de dois filhos descobrira que estava
com câncer em um dos dois rins.
Depois
de passar por avaliação médica e realizar uma série de exames, o tratamento
decidido foi pela retirada do rim doente. Ancorado na esperança da cura
submeteu-se a operação. Porém, estranhamente, após a cirurgia não foi
encaminhado a qualquer processo de quimioterapia ou radioterapia. Voltou para
casa crente que vencera a luta contra a doença. A tormenta que se tornara a sua
vida tinha chegado ao fim. Ou não.
No
ano seguinte à retirada do rim enfermo, em exames de rotina, Valmor recebeu a
pior notícia que poderia ouvir: o rim restante foi diagnosticado também com
câncer e o seu funcionamento estava comprometido. Assim, começava a sua saga
por hospitais e a batalha dupla de tratamentos. Em três dias na semana fazia
hemodiálise para a filtragem do sangue e, em outros três, radioterapia para
combater o câncer. Ou seja, ele tinha apenas o domingo de “descanso” no quesito
cuidar da saúde. Essa rotina já durava quase um ano.
Embora
todas essas dificuldades, Valmor tinha um semblante tranquilo e feliz. Sempre
quando me via abria um largo e cativante sorriso e, invariavelmente, abria a
conversa questionando:
-
Como vai guri? E o tempo? Será que chove hoje?
Ele
sabia que eu escutava rádio pela manhã, que era quando nos encontrávamos, e
estava com a previsão do tempo atualizada na ponta da língua. A partir daí, com
a devida atualização climática, abríamos o bate-papo para outros assuntos. Por
cerca de 20 dias, ouvi suas saborosas histórias, contadas com entusiasmo
juvenil.
Não
sei se Valmor está vivo ou já partiu para outro plano espiritual. O nosso
contato se perdeu com o tempo. Entretanto, toda a vez que começo a reclamar
muito da vida, lembro-me dele e das dificuldades diárias que enfrentava com os
tratamentos e os seus efeitos colaterais, porém, sem nunca perder o encanto de
estar vivo e lutar bravamente para isso.
O
fato de recordá-lo leva-me inevitavelmente a comparação e os meus problemas
acabam ficando ínfimos.
Uma
lição de vida.
* Jornalista e contista gaúcho
Ver a coragem alheia costuma ser estímulo verdadeiro.
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