sexta-feira, 12 de julho de 2013

Lição de vida

* Por Rodrigo Ramazzini

Certa ocasião a vida me proporcionou conhecer a história do Valmor. Ele era senhor na faixa dos 60 anos, com escassos cabelos pretos bem penteados com gel pra trás e um corpo debilitado pelas dificuldades que vivera nos últimos anos. Caminhava devagarzinho com o auxílio da bengala ou da sua esposa, a companheira inseparável de todas das horas. Moravam em Porto Alegre e, se não me falhe a memória, Valmor tinha trabalhado como bancário até se aposentar devido ao surgimento de problemas de saúde. O pai de dois filhos descobrira que estava com câncer em um dos dois rins.

Depois de passar por avaliação médica e realizar uma série de exames, o tratamento decidido foi pela retirada do rim doente. Ancorado na esperança da cura submeteu-se a operação. Porém, estranhamente, após a cirurgia não foi encaminhado a qualquer processo de quimioterapia ou radioterapia. Voltou para casa crente que vencera a luta contra a doença. A tormenta que se tornara a sua vida tinha chegado ao fim. Ou não.

No ano seguinte à retirada do rim enfermo, em exames de rotina, Valmor recebeu a pior notícia que poderia ouvir: o rim restante foi diagnosticado também com câncer e o seu funcionamento estava comprometido. Assim, começava a sua saga por hospitais e a batalha dupla de tratamentos. Em três dias na semana fazia hemodiálise para a filtragem do sangue e, em outros três, radioterapia para combater o câncer. Ou seja, ele tinha apenas o domingo de “descanso” no quesito cuidar da saúde. Essa rotina já durava quase um ano.

Embora todas essas dificuldades, Valmor tinha um semblante tranquilo e feliz. Sempre quando me via abria um largo e cativante sorriso e, invariavelmente, abria a conversa questionando:

- Como vai guri? E o tempo? Será que chove hoje?

Ele sabia que eu escutava rádio pela manhã, que era quando nos encontrávamos, e estava com a previsão do tempo atualizada na ponta da língua. A partir daí, com a devida atualização climática, abríamos o bate-papo para outros assuntos. Por cerca de 20 dias, ouvi suas saborosas histórias, contadas com entusiasmo juvenil.

Não sei se Valmor está vivo ou já partiu para outro plano espiritual. O nosso contato se perdeu com o tempo. Entretanto, toda a vez que começo a reclamar muito da vida, lembro-me dele e das dificuldades diárias que enfrentava com os tratamentos e os seus efeitos colaterais, porém, sem nunca perder o encanto de estar vivo e lutar bravamente para isso.

O fato de recordá-lo leva-me inevitavelmente a comparação e os meus problemas acabam ficando ínfimos.

Uma lição de vida.


* Jornalista e contista gaúcho   

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