sábado, 13 de julho de 2013

A cabeça de corvo

* Por Alphonsus de Guimaraens

Na mesa, quando em meio à noite lenta
escrevo antes que o sono me adormeça,
tenho o negro tinteiro que a cabeça
de um corvo representa.

A contemplá-lo mudamente fico
e numa dor atroz mais me concentro:
e entreabrindo-lhe o grande e fino bico,
meto-lhe a pena pela goela adentro.

E solitariamente, pouco a pouco,
do bojo tiro a pena, rasa em tinta...
e a minha mão, que treme toda, pinta
versos próprios de um louco.

E o aberto olhar vidrado da funesta
ave que representa o meu tinteiro,
vai-me seguindo a mão, que corre lenta,
toda a tremer pelo papel inteiro.

Dizem-me todos que atirar eu devo
trevas em fora este agourento corvo,
pois dele sangra o desespero torvo
destes versos que escrevo.



* Poeta neo-romântico e simbolista mineiro

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