sábado, 4 de maio de 2013


Um tipo, uma seleção de vida

* Por Graham Greene

Uma autobiografia é somente uma “seleção da vida” – ela pode trazer menos erros do que uma biografia, mas é necessariamente ainda mais seletiva, pois começa mais tarde e acaba prematuramente. Como não é possível finalizar um livro de memórias no leito da morte, qualquer conclusão é arbitrária e eu preferi terminar este ensaio com os anos de fracasso que se seguiram após a publicação do meu primeiro romance.

O fracasso também é um tipo de morte: a mobília vendida, as gavetas esvaziadas, o caminhão de mudanças aguardando como se fosse o carro fúnebre na rua, para nos levar a um destino menos caro. Existe também outro sentido de um livro como este ser apenas uma “seleção da vida”, pois ao longo de sessenta e quatro anos eu vivi tanto com pessoas imaginadas como com homens e mulheres de verdade. Na verdade, embora tenha tido muitos amigos, não consigo lembrar nenhuma anedota de alguém famoso ou notório – as únicas histórias das quais lembro vagamente são as que eu escrevi.

E qual é o motivo de registrar estas anotações do passado? É o mesmo que me fez ser um autor: um desejo de reduzir o caos da experiência a algum tipo de ordem, e uma curiosidade voraz. Não se pode amar aos outros, ensinam os teólogos, a menos de se amar a si próprio, de alguma forma, e curiosidade também começa em casa.

Está na moda nos dias de hoje, entre muitos dos meus conterrâneos, de se referir aos eventos de seus passados com ironia. Trata-se de um método legítimo de autodefesa. “Veja como eu era idiota quando jovem” ajuda a evitar críticas cruéis mas falsifica a história. Não somos Eméritos Georgianos. Aquelas emoções eram verdadeiras quando as sentimos. Por que deveríamos ter mais vergonha delas do que da indiferença da idade avançada? Tentei, sem sucesso porém, reviver as loucuras e sentimentalismos e exageros dos tempos distantes, e senti-los na pele, como eu sentia então, sem ironia.

in A Sort of Life, de Graham Greene. Penguin Books, 1972, London.

* Escritor inglês

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