sábado, 18 de maio de 2013


Escrevendo certo por linhas tortas

A “anormalidade” parece ter sido o “normal” na vida do compositor Richard Wagner, uma das figuras mais fascinantes que a história registra. Qual outro personagem famoso, por exemplo, teve “dois pais”?. Ele teve. Perdeu o biológico, Carl Friedrich, quando tinha somente seis meses e durante muitos anos foi criado e tratado como filho legítimo por Ludwig Geyer, cujo sobrenome, inclusive, adotou até os catorze anos. Durante muitos anos, suspeitou que o padrasto fosse, de fato, o pai.

Mas não foi somente essa a esquisitice de Wagner e nem a principal. Qual, por exemplo, outro personagem famoso que, por toda a vida, combateu a monarquia, inclusive de armas na mão e, no entanto, foi literalmente salvo, pelo menos da ruína econômica, justamente por um rei? O nosso personagem foi. Todavia, a “anormalidade”  mais gritante, que mais chama a atenção de quem lê qualquer uma das suas tantas biografias, refere-se aos seus amores, mais especificamente, aos seus casamentos. O primeiro, com Christine Wilhelmine Planer (conhecida pelo apelido de “Minna”) foi um desastre. É certo que durou pouco mais de dez anos, mas terminou num escândalo que repercute até os dias de hoje.

Já o segundo casamento de Wagner, com Cosima, filha do também compositor Franz Lizst, durou pelo resto da sua vida, mas começou todo arrevezado. Neste caso, o compositor escreveu certo, posto que por linhas tortas. Aliás, aqui caberia um superlativo: tortíssimas. Explico. Em 1864, quando Wagner estava com 51 anos de idade, separado de Minna, de quem se divorciara há já bom tempo, ele residia em uma luxuosa mansão, chamada de Villa Pellet. Localizava-se próxima do Castelo de Berg, residência de verão do rei da Baviera, Luís II, personagem sobre o qual tratarei bastante, no momento oportuno. Adianto quer foi ele que salvou o compositor, que admirava às raias da paixão, da ruína, assumido todas as suas dívidas (que eram monstruosas) e, de quebra, dando-lhe uma pensão de quatro mil florins anuais, quantia suficiente para qualquer pessoa levar uma vida não somente tranquila, mas luxuosa.

No verão do referido ano, no caso, 1864, Wagner recebeu em sua mansão dois hóspedes ilustres: o regente e pianista Hans Von Bullow, seu amigo de longa data e a esposa deste. Quem era ela? Era, justamente, Cosima, filha de Liszt, a quem conhecera quando ela era criança, já que ficara hospedado na casa do compositor tão logo fora despejado do “Asylum” em Zurique e se separado de Minna. O casal seria seu hóspede por tempo indeterminado. Tudo corria bem na mansão de Villa Pellet, aparentemente dentro da maior normalidade, até que uma inesperada notícia veio a abalar o ambiente: Cosima estava grávida.

Em situação normal, isso seria motivo de muita alegria para todos. Seria... mas não foi. A filha de Liszt estava grávida, sim, mas não de Hans, o marido. Vocês já concluíram quem era o pai, não é mesmo? Pois é, o autor da façanha era ele mesmo, Richard Wagner. A princípio, Bullow, que estava muito doente, sequer percebeu a gravidez. Essas coisas, todavia (claro) não são possíveis de serem escondidas por muito tempo. Quando o ilustre pianista percebeu... já era tarde. Perdeu a mulher. Wagner e Cosima confessaram que estavam apaixonados e que ela queria o divórcio do marido. Claro que este concordou com a separação.

Quem ficou furioso foi Lizst. O adultério da filha era muito para seus rígidos padrões morais. Dá para imaginar o escândalo desse caso amoroso, em uma época de extremo moralismo, mesmo que fosse somente público, já que o comportamento privado das pessoas, a salvo de olhares alheios, indiscretos e acusadores, nunca foi diferente do que é hoje. A diferença é que atualmente se age às claras.

Lizst ficou mais escandalizado ainda e caiu em depressão quando a filha lhe comunicou que iria se converter ao protestantismo, para poder se casar com Wagner. Justo ele que era católico fervoroso e rigorosamente contrário ao divórcio, conforme preceitua ainda hoje sua religião!  Considerava, portanto, aquela relação “abominável”. Consentindo ou não, o fato é que Cosima se divorciou de Bullow em 1870, que Wagner, na mesma época, recebeu a notícia da morte de Minna em Dresden (de quem já era há bom tempo divorciado) e ambos se casaram, em 25 de agosto de 1870.

Apesar desse romance haver sido “escrito” por linhas tortas, deu muito certo. Um havia sido feito exatamente para o outro. Cosima, ao contrário de Minna, não era ciumenta. Ou, se o fosse, não dava nenhuma demonstração. Conhecia o marido que tinha e gostava dele exatamente como era. Além disso, tinha cultura e educação refinadíssimas e se mostrou a companheira de todas as horas que o marido tanto sonhara e precisava. O casal se mostrou fiel um ao outro até a morte de Wagner e conseguiu se reconciliar, até certo ponto, com Liszt, que chegou a compor música para o genro, que foi executada, aliás, quando da sua morte em Veneza.

Boa leitura.

O Editor.          

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Um comentário:

  1. Não acredito que haja parte mais emocionante do que esta. A paixão sempre emociona.

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