quarta-feira, 22 de maio de 2013


Deixa a vida e entra na História

A morte de Richard Wagner, um dos personagens mais polêmicos e controvertidos do século XIX, e não somente nas artes, mas em qualquer atividade – ocorrida em 13 de fevereiro de 1883, em Veneza - , completou, portanto, no início deste 2013, 130 anos. Seus restos mortais repousam hoje em Bayreuth, cidade de uma Alemanha finalmente unificada, como tanto sonhou e lutou.

O leitor certamente, sabe que foram duas as unificações dessa que é hoje uma grande potência europeia. A primeira deu-se em 1871, sob a liderança do primeiro-ministro prussiano, Otto Von Bismarck, que passou para a história com a alcunha de “Marechal de Ferro”. O país, todavia, voltou a ser dividido em 1945, após a derrota nazista na Segunda Guerra Mundial. A parte Oeste permaneceu por algum tempo sob a tutela das potências aliadas que derrotaram o nazismo – Estados Unidos, Grã-Bretanha e França – e, posteriormente, ganhou a independência. O lado Leste, porém, ficou em mãos dos soviéticos, que o transformaram em um país comunista.

A reunificação apenas ocorreu em 3 de outubro de 1990, em amplo processo de transformação no mapa político da Europa, que resultou na criação de dezenas de novos países e na desagregação de duas federações de ideologia marxista, no caso a URSS e posteriormente a Iugoslávia. Há clara distinção nos dois casos. O primeiro, comandado por Bismarck, e testemunhado por Wagner, que lutou (literalmente) para isso, foi uma “unificação”, já que, até então, o atual território alemão nunca havia sido coeso e se dividia em dezenas de reinos, principados, ducados e cidades-Estados.

Já o segundo, conduzido pelo chanceler Helmut Kohl, foi um processo “reunificador”, restaurando a integridade territorial que vigorou de 1871 até 1945, quando os aliados que derrotaram o nazismo dividiram o país em dois, no contexto do que ficou conhecido como “Guerra Fria”. Entendo ser importante fazer essa contextualização, posto que de maneira tão resumida. Nesse segundo processo, óbvio, Wagner não esteve presente (não fisicamente). Mas sua memória, sua obra e as polêmicas que sempre o acompanharam estiveram mais vivas do que nunca também nessa ocasião. E permanece dessa forma, recrudescendo neste 2013, com o bicentenário de seu nascimento e os 130 anos de sua morte.

No dia em que o compositor morreu, em 13 de fevereiro de 1883, um amigo do casal, um tal de Jukovski, ao chegar de visita, para o almoço, encontrou Cosima ao piano, tocando o “lied” de Franz Schubert, “Elogio das lágrimas”. Indagada sobre o motivo de haver escolhido uma peça tão triste, a mulher de Wagner disse não saber a razão da escolha. “Deu-me súbita vontade, uma espécie de compulsão, de tocar isso”, afirmou simplesmente. Seria premonição sobre o que estava prestes a ocorrer? Muitos acham que sim, outros tantos entendem que não havia nenhuma relação a propósito. Enfim... Vá se saber!

Naquele momento, o marido de Cosima estava bem de saúde. Trabalhava numa nova composição, em seu estúdio, no segundo andar do Palácio Vendramini, residência que ocupava sempre que estava em Veneza. De manhã, ao despertar, Wagner havia mostrado disposição incomum, como nos velhos tempos. Bem humorado, fez lauta e reforçada refeição, com bastante apetite, a título de café da manhã. A seguir, disse a Cosima que iria aproveitar os eflúvios positivos do dia para compor alguma coisa. Subiu para seu gabinete de trabalho assoviando trecho de uma de suas composições..

Mal o diálogo entre a esposa de Wagner e Jukovski,  na sala de visitas do palácio, terminou, a sineta do segundo andar tocou insistentemente. Ao ser atendido, o compositor disse à esposa que estava um tanto cansado e que ela e o visitante começassem o almoço sem ele que, prometendo que logo desceria. Nunca desceu. Quando a refeição já ia ao meio, sem que Wagner houvesse chegado, a camareira interrompeu os comensais para avisar que o patrão estava passando mal. Cosima ficou alarmada. Correu, desesperada, para o quarto, para onde o compositor havia ido para repousar. Wagner já agonizava.

Ainda teve forças para pegar um lápis e um papel, à cabeceira da cama, para tentar escrever uma mensagem. Não conseguia falar. O que pretendia escrever? Alguma recomendação específica? Um pedido de socorro? Uma mensagem de despedida? Vá se saber! Só conseguiu rabiscar duas palavras desconexas: “O amor... o trágico”. Foi seu último ato no mundo dos vivos. Expirou, a seguir, nos braços da sua amada Cosima.

Três dias depois, seu corpo foi colocado numa gôndola para iniciar viagem de volta à terra natal. Era o regresso definitivo ao solo alemão, de onde esteve ausente por tanto tempo, notadamente nos quase onze anos de um longo e doloroso exílio político. Por onde seus restos mortais passavam, verificava-se, sempre, o mesmo fenômeno: multidões se aglomeravam á sua passagem para render-lhe a derradeira homenagem. Como Wagner, certamente, gostaria de ter visto isso! Seu corpo saiu de Veneza, através dos característicos canais dessa peculiar cidade, sob os acordes da elegia “Gõndola fúnebre”, a mesma que havia sido composta há poucos dias por seu ilustre sogro, Franz Lizst. Foi assim que o genial patriota alemão deixou a vida para entrar definitivamente na História...

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Nos vários canais fechados tenho visto matérias alusivas a Wagner e o colocam como antissemita em 1º lugar e depois como músico. A questão é pesada, pois falaram que os livros escritos por ele serviram de caminho para o Holocausto.

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