quarta-feira, 8 de maio de 2013


Cadê o abridor de latas?

* Por Fernando Yanmar Narciso

Quando o conhecemos, Tony Stark era o típico cidadão-modelo da era Bush. Playboy multimilionário, mulherengo e mais alcoólatra que Boris Ieltsin, Adriano Imperador e Heleninha Roitman juntos, ele era um cínico sem-vergonha com um narcisismo contumaz. Gênio da computação, da robótica, da química, da fabricação de armas e da dança da garrafa, herdou as Indústrias Stark com a morte do pai Howard e meramente deu continuidade à obra do velho, se superando em criatividade e competitividade no mercado bélico, mas curiosamente sem nunca ter se importado com o destino de algumas das armas que criou.

Isso mudou quando, num atentado às tropas americanas no Iraque, ele descobriu que muitas de suas criações estavam no poderio de um genérico da Al Qaeda. Atentado este onde ele terminou com um fragmento de uma bomba preso no coração e foi sequestrado pelos terroristas. OK, o realismo termina aqui.

Um cientista, que também era mantido refém, foi forçado a implantar um eletroímã no peito de Stark para manter o estilhaço flutuando ao redor do coração, então ele poderia continuar vivo para construir uma super arma nuclear para a organização terrorista poder destruir a América, Se ele não cooperasse, eles desligam o ímã e ele morre. E Tony de fato construiu uma super arma, mas para conseguir escapar do seu calvário. Já de volta aos seus afazeres nas Indústrias Stark, ele decide parar de produzir armas e dar um upgrade no projeto da armadura que criou no Iraque, usando-a para se exibir por aí e pagar de herói nas horas vagas. Assim nascia o Homem de Ferro, personagem criado em 1963 pelo mago dos quadrinhos Stan Lee e, até pouco tempo atrás, praticamente esquecido.

Por causa da atuação brilhante de Robert Downey Jr. no primeiro filme, de 2008, eu simplesmente não conseguia me identificar com um sujeito tão convencido e sabichão. O diretor Jon Favreau e o ator tiveram uma sintonia tão grande no trabalho, ajudados por toda a ficção científica maluca dos quadrinhos e a maravilhosa computação gráfica, que comecei o filme tendo antipatia de Tony e cheguei ao fim dele ainda morrendo de vontade de esganá-lo. Foi justamente essa relação de amor e ódio que fez o filme fazer tanto sucesso.

Porém essa sintonia logo começou a desandar em Homem de Ferro 2. A Marvel meteu tanto o bedelho no roteiro do filme e encheu tanto o saco de Favreau que o resultado final foi o samba do crioulo doido. Porém, apesar da falta de um roteiro coerente, de um vilão que não falava inglês e de Downey ter elevado sua canastrice à potência máxima, as cenas de ação assombrosas, que fizeram falta no primeiro filme, meio que compensaram as falhas e me fizeram preferir esse ao original, e ele ainda arrecadou mais que o anterior nas bilheterias. E Stark continuava desprezível.

Então veio o filme Os Vingadores ano passado, reunindo todos os super-heróis esquecidos pela Marvel num megaevento que tornou- se uma das maiores bilheterias da história e que, apesar de todas as explosões, novamente da falta de roteiro e da destruição causada pelo confronto final, nos fez o favor de iniciar o processo de humanização de Stark. Se ele antes era um gênio garanhão obcecado com suas armaduras e consigo mesmo, agora ele conseguiu agir como um verdadeiro herói, chegando ao ponto de sacrificar-se por nós ao arrastar um supermíssil para uma dimensão paralela e despencar da estratosfera como um meteoro.

E essa tendência se estendeu ao último filme do personagem, lançado semana passada. Dirigido por Shane Black, velho amigo de Downey, Homem de Ferro 3é indiscutivelmente o melhor filme do personagem. Traumatizado depois dos eventos de Os Vingadores, agora Stark passa a maior parte do seu tempo trancado no porão de sua mansão, desenvolvendo obsessivamente uma nova armadura atrás da outra e tendo problemas no casamento com sua ex- secretária Pepper Potts (Gwyneth Paltrow). Eu sei, só a ideia de Tony Stark estar casado já é apavorante, mas seus problemas evidentemente não acabam aí.

Voltando no tempo até a virada do milênio, Stark conheceu na festa de réveillon dois cientistas, Aldrich Killian (Guy Pearce) e a botânica Maya Hansen (Rebecca Hall). A relação do playboy com esses personagens é o fio condutor da trama. Mais interessado em transar com a moça que fazer parceria com o outro, acaba despistando-o, fazendo nascer nele um desejo incontrolável de vingança. Hansen apresenta à Stark Extremis, seu projeto genético que permite a, por exemplo, árvores derrubadas se regenerarem instantaneamente. Mas, como isso aqui é um filme de história em quadrinhos, a ironia é que a energia necessária para a regeneração é tão grande que as cobaias acabam entrando em combustão espontânea. Então, nada de negócios.

Na atualidade, o mundo é atacado por estranhos bombardeios arquitetados pelo enigmático superterrorista Mandarim (Ben Kingsley), que ameaça colocar os Estados Unidos no chão em questão de semanas com um grande arsenal e toneladas de frases clichês. Como tem tido síndrome do pânico, nosso herói sequer cogita oferecer ajuda ao governo, mas a coisa muda de figura quando os amigos dele começam a sofrer as conseqüências dos atentados de Mandarim e ele tem a brilhante idéia de desafiar o terrorista para um duelo em rede nacional, o que acaba tendo um resultado catastrófico. Desprovido de toda sua tecnologia e lançado no fundo do poço, agora Stark precisa depender apenas de seu cérebro enorme para chegar ao seu algoz, aprendendo ao fim da jornada que não é a armadura que faz o herói. Se bem que isso meio que trai tudo o que o personagem vinha fazendo até aqui. E a forma como ele consegue desenvolver tantas armaduras e tanta tecnologia sem ir à falência ou como os propulsores não queimam suas mãos ainda carece de explicações.

Precisei de quatro filmes, mas enfim consegui me identificar com o personagem. Sua fissura em desenvolver armaduras no porão e sua reclusão espelham minha obsessão por desenhar Alexia, minha musa inspiradora, e meu eterno exílio em meu quarto. Ambos somos apaixonados pelo que fazemos, mas talvez um pouco além do aceitável. Usamos o que criamos para esconder nossos reais sentimentos do resto do mundo. Somos um tanto egoístas e nos consideramos num degrau acima. Claro que eu não sou tão podre de rico ou bem-sucedido como Stark, mas um dia o mundo conhecerá minha armadura. E o homem fora dela.


Um comentário:

  1. Muito complexo para o meu gosto. Mas mulheres são assim mesmo: não se amarram em filmes de ação e nem de ficção científica. O final foi surpreendente, pois não o imaginei disputando o palco com o personagem.

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