Beijos e
tiro
* Por Fernando Yanmar Narciso
Quem quiser um jornalismo imparcial, sem segundas
intenções e preocupado apenas em retratar a verdade, que monte o seu próprio
jornal. O mau jornalismo, o jornalismo tendencioso, consegue convencer o povo
de qualquer ponto de vista, por mais errado que ele seja.
As últimas duas semanas foram um passeio nas águas
do Hades para o governo Obama. Para nós, a impressão que fica é que, na ânsia
por tentar fazer algo em seu mandato que o destacasse dos anteriores, Obama
transformou a questão do controle de armas em prioridade máxima, tentando
varrer os outros desmandos da gestão para debaixo do tapete.
E justamente na semana em que as novas legislações
para porte de armas seriam votadas no Senado, ocorrem os atentados à bomba na
maratona de Boston. Por mais mórbido que seja pensar dessa forma, as pessoas
que não queriam que a legislação fosse aprovada- imprensa marrom, republicanos,
conservadores e membros da National Rifle Association em geral- jogaram as mãos
ao céu quando as bombas começaram a explodir. Melhor hora para uma tragédia
dessas, impossível. Resultado: As pessoas ficaram apavoradas, as propostas para
limitar a venda de armas dançaram e Obama viu-se derrotado mais uma vez.
Não há lugar melhor para presenciar o jornalismo
tendencioso que nos Estados Unidos. Se por um lado a CNN, que apesar de ser
claramente o jornalismo da situação tem perdido muito ibope nos últimos anos,
pelo outro a FOX News, que sempre foi a porta-voz do conservadorismo
republicano, tem atiçado os corações do público. Não importa qual seja a
questão levantada pelo governo, os âncoras da FOX News a contra-atacam com uma
virulência que assusta mais que os ataques terroristas. Mesmo se a idéia de
algum democrata for realmente boa, eles precisam arrumar um jeito de
pisoteá-la, pois descobriram que a audiência anda tão estressada que não está
nem aí para imparcialidade jornalística, só quer saber de ver o circo pegar
fogo.
A impressão que a CNN e o governo tentam passar
para americanos e não-americanos é que o país se tornou uma zona de guerra, um
inferno na Terra pior que a Síria onde qualquer um pode tomar um tiro na cabeça
enquanto assoa o nariz. Para seus opositores, ao abraçar uma causa pacifista, a
mensagem que o presidente passa ao resto do mundo é que a América não quer mais
meter medo em ninguém. Logo, o país está livre e solto para quem quiser pegar.
No entanto, a questão das armas da América é bem
mais complexa. Para começo de conversa, a idéia de que todo dono de armas é um
doente que só pensa em atirar passa longe da realidade. Pessoas que torram
milhares de dólares numa metralhadora M16 - a favorita do Rambo- ou num fuzil
AR-15 são, no fundo, pessoas normais e responsáveis, que compram armas como se
fossem bonecos do Max Steel. Para eles, é uma coleção como qualquer outra, tanto
que boa parte dos colecionadores de armas só puxa o gatilho para testar, no dia
da compra. Americanos amam seus rifles tanto como amam a Deus. O fetiche por
armas dos americanos não passa de uma fantasia, uma forma ingênua de os homens
reafirmarem a própria virilidade. Propagandas de armas estão espalhadas por
toda parte, em todos os ramos do entretenimento. Quer dizer, apenas tentem
encontrar um cartaz do James Bond clássico onde ele não apareça com uma
pistola. Fácil como achar uma foto da Nicole Kidman sem botox. Mas isso não faz
de todos os americanos assassinos.
O problema são os casos isolados, o 0,000001% que
acorda com o tinhoso no corpo, azeita o ferrão e vai brincar de Duke Nukem na
vizinhança. O argumento dos contrários às novas leis é que 99% da população não
podem ser privados de um hobby- macabro, por sinal- por causa de um ou outro
ato desmedido. E, até em tais casos, muitas vezes as pessoas com instinto
selvagem acabam achando uma válvula de escape para sua vocação assassina, como
videogames de tiro e filmes de vingança sul-coreanos.
Deve impressionar a vocês saber que, por exemplo, a porcentagem de suicídios por armas de fogo nos Estados Unidos é quase o dobro da porcentagem dos massacres provocados por jovens desajustados. Mas ninguém se interessa em noticiar suicídios por causa da “carga dramática” menor da reportagem. Os fantasmas internos que os matadores enfrentam são tão horrendos que apenas suas próprias mortes não bastam. É preciso fazer o resto do mundo sofrer tanto como eles.
Deve impressionar a vocês saber que, por exemplo, a porcentagem de suicídios por armas de fogo nos Estados Unidos é quase o dobro da porcentagem dos massacres provocados por jovens desajustados. Mas ninguém se interessa em noticiar suicídios por causa da “carga dramática” menor da reportagem. Os fantasmas internos que os matadores enfrentam são tão horrendos que apenas suas próprias mortes não bastam. É preciso fazer o resto do mundo sofrer tanto como eles.
Para verem como essa horda de franco-atiradores
escolares não é uma “modinha recente”, sabem de quando data o maior massacre
escolar da história americana? De 1927. Sem nenhum motivo, um capiau de
Michigan resolveu soltar uma bomba num colégio, matando 45 crianças e a si
mesmo. Bem distante do estereótipo dos jovens matadores modernos, concordam?
Ao que parece, a luta de Obama por sua causa nobre
ainda está longe de acabar. Se ele for tão teimoso como Lincoln foi para abolir
a escravidão, em breve o povo dele não poderá portar nem estilingues sem ser
revistado pelos federais. Dizem até que querem proibir a venda de panelas de
pressão por lá depois do atentado de Boston.
*Designer e escritor. Sites: HTTP://terradeexcluidos.blogspot.com.br - HTTP://cyberyanmar.deviantart.com e HTTP://www.facebook.com/fernandoyanmar
Um tema tão quente e palpitante quanto uma bomba relógio, num texto cheio de metáforas e até certas graças. Afinal você é contra ou a favor do desarmamento americano, contra ou a favor dos atos terroristas? Perigo à vista!
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