quinta-feira, 5 de novembro de 2009




Pequeno Albert

* Por Macelo Sguassábia

Sempre que acordado pelo barulho dos marrecos, o pequeno Albert passava o resto do dia de mau humor. Não era incomum que nessas ocasiões, só de pirraça, misturasse deliberadamente moela com chantilly no café da manhã e usasse seu suéter furado. Furado, aliás, por uma bicada de marreco, numa véspera de Natal em que um deles também acordou de ovo virado.

Nada pode garantir de maneira categórica que o interesse do pirralho pelos buracos negros datasse dessa época do furo na blusa, mas há fortes evidências que reforçam a tese. Foi também à mesa de refeições que, certa feita, gotículas de leite quente espirradas do bule despertaram no futuro grande físico a obsessão pela via láctea e seus mistérios, segundo depoimentos de vizinhos de cerca. Daí foi um passo para a formulação das primeiras teorias e equações. A modorrenta rotina da fazenda e a falta propriamente do que fazer turbinavam a imaginação do menino, que punha-se a disparar enunciados bucólico-científicos aos quais ninguém então dava crédito, exceto os sargaços, alguns esquilos e Copérnico, seu poodle de estimação.

É nesse limbo pouco estudado, quer seja, o tempo do Albert imberbe, que a história deveria se debruçar com acuidade investigativa e faro de paleontólogo. Se o fato de pouco sabermos da vida de Cristo enquanto criança pouco prejuízo trouxe à disseminação do Cristianismo enquanto doutrina, o mesmo não se pode dizer em relação à infância do nosso herói e suas consequências sobre a maior de suas descobertas: a Teoria Geral da Relatividade.

Explico e dou exemplo. É sabido que Albert foi tachado como débil mental por um professor. Como revide ao mestre, o mirim impôs-se o propósito de sobrepujar os achados de Newton no campo da Física. Assim, aos 12 anos, deitou-se debaixo de uma árvore aguardando inspiração idêntica à que fez o sagaz Isaac descobrir a lei da gravidade. A lerdeza de raciocínio atribuída ao menino explica o fato de não ter se dado conta de que a árvore sob a qual se deitara era uma jaqueira. Para não contrariar outra lei, a de Murphy, é claro que uma das jacas o atingiu em cheio. A queda do fruto fez abrir, literal e figurativamente falando, a cabeça do garoto, que ficou com o hipotálamo e o cerebelo em posição invertida à normalmente encontrada nos comuns dos mortais. Além disso, é de conhecimento público que seu cérebro, dissecado e estudado após o óbito, fez os cientistas concluírem que este era maior e mais denso que a média. De onde se deduz que a suposta anatomia privilegiada devia-se ao inchaço causado pelo impacto da jaca sobre a caixa encefálica, constatação infame demais para constar com dignidade num relatório científico – o que justifica a omissão do ocorrido até a presente data.

Mais grave ainda é a também desconhecida demanda jurídica daí originada, movida por um japonês de sobrenome Kobaiashi, o antigo proprietário da fazenda onde os Einstein residiam. Entendia o produtor hortifrutigranjeiro que, se não houvesse plantado a jaqueira quando administrador da propriedade, o desenvolvimento fenomenal do garoto não ocorreria, e consequentemente a Teoria Geral da Relatividade não teria sido formulada. Assim, seus herdeiros pleiteiam até hoje uma revisão histórica onde se atribua a co-autoria da TGR ao antepassado nipônico, passando doravante a denominar-se “Teoria de Einstein / Kobaiashi”. O processo encontra-se tramitando atualmente no Fórum da Comarca de Cotia.

* Redator publicitário há mais de 20 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”

2 comentários:

  1. E aquele palmo de língua pra fora, hein, a que se deve? Sempre acreditei que ele tentava alcançar uma migalha de pão no queixo, depois do lanche, quando um paparazzi indiscreto deu o flagra que se tornou a imagem oficial do relativo gênio. Mas isso é assunto para suas crônicas, caro Marcelo, capaz de fazer rir o mais sisudo cientista. Parabéns.

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  2. Interessante a sua linguagem íntima e coloquial para se referir ao pai da Teoria da Relatividade. Embora claramente ficcional, é bom que se destaque o tamanho e aparência comuns do cérebro de Einstein. Mesmo se tratando de uma pessoa já velha, o cérebro dele não mostrou, pelo menos macroscopicamente nada de diferente, e não era grande. A queda da jaca foi providencial para explicar parte da história. Como sempre a sua criatividsade vai longe. Assim, quem sabe, se tivesse nascido alguns anos antes, talvez fosse você a reclamar a co-autoria da TGR e não esse japonês?

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