
Sepultem-me na primeira quadra
* Por Seu Pedro
Tenho procurado viver a vida da cidade o máximo que posso. Não indo peremptoriamente a shows de axé, participando de noites festivas, de coquetéis elegantes ou ainda de jantares de ruidosos talheres. Estas coisas são boas, mas além de acontecerem em todas as cidades, só de vez em quando fazem bem.
A vida da cidade está na praça. É nela que ouço reclamações de dores de dona Maria. Ouço as histórias que me contam as baianas do acarajé. E conto e ouço piadas humorísticas que quase que diariamente são por mim trocadas com o Amaral, aquele que anota o jogo do bicho. Jogo que não jogo, mas sou premiado do primeiro ao sétimo dia, pelo bate-papo alegre com um velho conhecido.
Na praça tem o sorvete. E é na quadra que vejo os meninos da escolinha de futebol do Verdão treinando o futebol iniciante. Na praça têm os evangélicos entregando-me, escritas, as receitas de ir para o céu. Bem dentro dela fica o portão principal do colégio. E na hora da saída, os estudantes concorrem com os pássaros. Não se sabe que faz mais barulho.
E eu, comendo pipocas que são vendidas na praça, reflito sobre o breve futuro que me espera, e a todos. São tantos conselhos que recebo em vida, são tantos palpites sobre estar preparado para o dia final, mas nenhum conselho me deram para não abandonar a cidade depois que minha alma abandonar o mundo.
O falecimento é a conseqüência de ter nascido, vivido e se preparado. Quem espiritualmente vive bem não morre. E antes que eu faleça, como defunto não leva saudades, uma coisa eu desejo: ser sepultado na primeira quadra do cemitério, a que fica bem na entrada, ou na saída, e que seja em cova rasa. Lá é como se estivesse furando fila de um batalhão por querer trocar sua passagem para o inferno por uma que o leve ao céu.
De lá estarei perto, mais perto do barulho da cidade, dos alunos, dos pássaros da praça. O cheiro do óleo de dendê fritando os acarajés chega enfumaçado naquela quadra. O riso do Amaral também. Eu lá, deitado eternamente, não terei vida, mas antes que me chamem de morto, quero ter a certeza que a cidade continuará viva, enfumaçada e barulhenta.
(*) Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi, Bahia.
* Por Seu Pedro
Tenho procurado viver a vida da cidade o máximo que posso. Não indo peremptoriamente a shows de axé, participando de noites festivas, de coquetéis elegantes ou ainda de jantares de ruidosos talheres. Estas coisas são boas, mas além de acontecerem em todas as cidades, só de vez em quando fazem bem.
A vida da cidade está na praça. É nela que ouço reclamações de dores de dona Maria. Ouço as histórias que me contam as baianas do acarajé. E conto e ouço piadas humorísticas que quase que diariamente são por mim trocadas com o Amaral, aquele que anota o jogo do bicho. Jogo que não jogo, mas sou premiado do primeiro ao sétimo dia, pelo bate-papo alegre com um velho conhecido.
Na praça tem o sorvete. E é na quadra que vejo os meninos da escolinha de futebol do Verdão treinando o futebol iniciante. Na praça têm os evangélicos entregando-me, escritas, as receitas de ir para o céu. Bem dentro dela fica o portão principal do colégio. E na hora da saída, os estudantes concorrem com os pássaros. Não se sabe que faz mais barulho.
E eu, comendo pipocas que são vendidas na praça, reflito sobre o breve futuro que me espera, e a todos. São tantos conselhos que recebo em vida, são tantos palpites sobre estar preparado para o dia final, mas nenhum conselho me deram para não abandonar a cidade depois que minha alma abandonar o mundo.
O falecimento é a conseqüência de ter nascido, vivido e se preparado. Quem espiritualmente vive bem não morre. E antes que eu faleça, como defunto não leva saudades, uma coisa eu desejo: ser sepultado na primeira quadra do cemitério, a que fica bem na entrada, ou na saída, e que seja em cova rasa. Lá é como se estivesse furando fila de um batalhão por querer trocar sua passagem para o inferno por uma que o leve ao céu.
De lá estarei perto, mais perto do barulho da cidade, dos alunos, dos pássaros da praça. O cheiro do óleo de dendê fritando os acarajés chega enfumaçado naquela quadra. O riso do Amaral também. Eu lá, deitado eternamente, não terei vida, mas antes que me chamem de morto, quero ter a certeza que a cidade continuará viva, enfumaçada e barulhenta.
(*) Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi, Bahia.
Bela homenagem à praça e a seus personagens. Afeto e poesia circundam esse espaço social, público, onde o senhor, Seu Pedro, experimenta a insuperável vertigem de ser humanamente simples. Parabéns.
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