quinta-feira, 28 de maio de 2009


Aposte no positivo

A Literatura cismou, de uns tempos para cá, de querer competir com o jornalismo na descrição de taras, violências, desgraças e patifarias. Nesse quesito, porém, os escritores perdem, e de longe, para os jornalistas. A ficção é infinitamente menos fantástica do que a realidade.
Qual escritor, por exemplo – mesmo que se tratasse de um Edgar Alan Poe, “pai dos contos de terror e mistério” – conseguiria escrever histórias em que pais jogassem filhas de seis anos pela janela do sexto andar, por motivos banais? Ou em que filhas convencessem os namorados a trucidarem seus pais a pauladas quando estes estivessem dormindo? Ou em que mães jogassem seus bebês recém-nascidos, totalmente indefesos, em lagoas, para que morressem afogados, ou se descartassem deles em latas de lixo, como coisas imprestáveis? Nenhum!
Deixem, pois, esse desfile diário de aberrações, desgraças, violências, taras e patifarias de toda a sorte para os jornalistas, que têm nesses desvios comportamentais a sua matéria-prima. O desafio para os escritores é o de apostar no positivo. É valorizar a esperança, a fé, a alegria, o bom-humor, a felicidade e o amor. “Ah, mas temas como estes não vendem livros”, argumentarão alguns. “Ademais, ao abordá-los, é fácil de se resvalar para a pieguice”, acrescentarão, à guisa de explicação.
É verdade. Por isso, esse tipo de assunto é o desafio que o escritor realmente talentoso tem que aceitar. Escrever o que qualquer imbecil é capaz não é mérito algum. Mas conseguir abordar temas construtivos e nobres, sem resvalar para a alienação ou a pieguice, não é tarefa para qualquer amador. Só os que têm genuína vocação para a literatura conseguem.
Outro dia, ao ler uma excelente antologia poética, observei que por volta de 90% dos poemas falavam sobre morte, perdas, tristeza e desolação. É verdade que as metáforas eram belíssimas e as palavras adequadas. Mas eram textos tristes, desoladores, pungentes e desesperados. Por que esses poetas não apostam na vida, na esperança, na felicidade e no amor, em vez da decomposição, aflição e dor?
A morte é, possivelmente, a única (ou se não for, é uma das únicas) certeza que temos. Não há, pois, mérito algum em escrever sobre ela. Ademais, em vez de fazermos apologia dela, porque não valorizarmos o seu oposto, ou seja, a vida,.fenômeno provavelmente raríssimo na vastidão do universo (até aqui, parece existir apenas neste minúsculo planetazinha azul)? Pense nisso, amigo escritor. Não queira competir com os jornalistas em seara na qual eles levam nítida vantagem. Aposte no positivo. Exalte a vida! E faça sucesso!

Boa leitura.

O Editor.

Um comentário:

  1. Escrever diariamente um editorial sobre Literatura é um desafio que você Pedro, vem cumprindo bem, sem repetir abordagens. De fato, poucos tiveram a coragem de fazer canções com frases como: " sou feliz, agora, não, não vai embora", e mesmo falando da felicidade, a ameaça da separação já está na vizinhança. O culto a dor pode não ser explícito, mas está longe de ser coincidência entre os poetas. Os gritos marcam mais do que os sorrisos. E dentro da sua análise, quando ouço gente dizer que as novelas ensinam coisas ruins, sempre digo que os ficionistas copiam da realidade, e não o contrário. Vejo que você também pensa como eu: o mundo real é mesmo assustador.

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