domingo, 31 de maio de 2009




O nosso dicionário

* Por Pedro J. Bondaczuk

“A vida é o nosso dicionário”, eu disse, um dia desses, a um jovem amigo, sem revelar, contudo, que essas palavras não eram minhas, mas do filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson, no seu livro “Ensaios”, para que ele não pensasse que eu queria me exibir, mostrando certa erudição (que, modéstia a parte, até que tenho). Minha intenção, asseguro, não era essa.

Meu intento não era o de impressionar o jovem admirador e nem deixá-lo constrangido. A citação veio a propósito da necessidade de recorrermos, com assiduidade, ao dicionário, para expandirmos nosso acervo de palavras e, sobretudo, para entendermos cada uma delas, utilizando-as no devido contexto e não sair por aí dizendo coisas que não compreendemos, apenas para exibir conhecimento que de fato não tenhamos.

O filósofo estava mais do que certo em sua afirmação. Aprendemos palavras (sem sequer nos darmos conta) de forma natural, através da vivência, das circunstâncias que surgem à nossa frente, dos relacionamentos de vários tipos (quer afetivos, quer profissionais, sociais etc.).

Essa é a melhor forma (depois da leitura de bons livros, claro) de adquirirmos vasto e rico vocabulário: correto, pertinente e adequado para qualquer situação. Ou seja, vivendo e, por conseqüência, adquirindo esse bem valioso, mas que muitos não sabem como utilizar, que é a experiência.

Emerson, além de dotado de peculiar capacidade de raciocínio (foi um gênio na sua especialidade), era um sujeito muito observador. Seu objeto de estudo foi o homem, com sua grandeza, fraquezas e fragilidades. Aprendeu a maior parte do que sabia não da leitura (embora fosse compulsivo leitor), mas da vivência. A vida foi a sua grande escola (e é a de todos nós, embora muitos teimem em não aprender as lições que ela tem a nos ensinar).

A propósito do tema referente a vocabulário, escreveu, num dos memoráveis textos do livro que citei: “Os anos foram bem gastos quando os demos aos trabalhos do campo, ou ao comércio, às manufaturas, às relações sinceras com grande número de homens e mulheres (...) isto com o único fim de aprender em todas suas realidades uma linguagem capaz de ilustrar e de encarnar as nossas percepções. A pobreza ou a riqueza do discurso de quem fala ensina-me imediatamente em que medida ele já viveu”.

Muitos levam vidas sombrias, tediosas, vazias e amargas, por medo de se expor. Evitam os relacionamentos, temendo se ferir. Omitem-se das grandes causas, deixando, invariavelmente, aos outros as tarefas que lhes compete executar. Mergulham de cabeça numa tediosa rotina, encaram o trabalho como castigo, quando não maldição, e marcam passo em empreguinhos medíocres, muito aquém do seu potencial, que não desenvolvem por carecerem de vontade.

Estes, passam a vida a se lamentar. Imaginam doenças, para chamar a atenção dos outros, mediante o humilhante sentimento da piedade que procuram, mesmo que inconscientemente, despertar. E de tanto imaginarem moléstias, acabam, de fato, adoecendo e se constituindo em pesos mortos para a família e para a sociedade.

Há muitas e muitas e muitas pessoas com essas características. Percebemo-las tão logo abrem a boca, pela pobreza do seu vocabulário. Ou então, pela utilização de palavras fora do devido contexto, o que indica que as leram em algum texto qualquer, mas passaram longe de entender o significado.

Estudos indicam que cerca de 65% das doenças que abarrotam hospitais e consultórios médicos são de fundo psicossomático. Ou seja – fugindo dos eufemismos e trocando em miúdos – são “imaginárias”. Estivessem, essas pessoas, empenhadas em atividades úteis e produtivas, não teriam tempo para essas elucubrações negativas.

Boa parte dos medicamentos que os médicos receitam para esses pacientes são placebos. Ou seja, são constituídos de substâncias neutras, que nem beneficiam e nem prejudicam o organismo. E faz sentido. Afinal, a origem dos seus males não está no corpo, mas em suas cabeças desorientadas. Estas, portanto, é que têm que ser tratadas.

Para sabermos muitas coisas, de fato, mas em profundidade e não apenas de forma superficial, temos que vivê-las. Não importa que o nosso trabalho seja considerado “menor”, desde que seja útil. Quem pode afirmar, por exemplo, que a função do lixeiro não é nobre? Deixe uma cidade sem ele para ver o que acontece!

Portanto, meu jovem amigo, siga os conselhos de Emerson, que sabia o que dizia. “Gaste” bem os seus anos, de forma proveitosa e coerente, para não se arrepender quando eles estiverem próximos de se esgotar. E faça da vida, desta mestra infalível e justa, o seu mais erudito e mais completo dicionário.

*Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas), com lançamentos previstos para os próximos dois meses. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com

4 comentários:

  1. Cada ramo do conhecimento humano tem as suas peculiaridades e a sua linguagem. Ler é um bom caminho, mas também não dispenso cercar-me de gente interessante. Aliás, tenho sorte, pois encontro muita gente com essa caracterítica. Outras vezes percebo uma perda de tempo, mas daí entendo que estou servindo de ponto de informação para os outros.

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  2. Belíssima metáfora entre vida e dicionário. A palavra condensa experiências, mas é necessário, ainda, caprichar na sintaxe, dar-lhes importância e fixá-las. Para sempre. Como vc, caro editor, soube ou tem sabido fazer exemplarmente. Parabéns.

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  3. Não é por acaso, caro Bondaczuk, que a vida é um livro aberto...

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  4. Maravilhoso o texto, me fez refletir muito! Obrigada! Abraços!

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