terça-feira, 26 de maio de 2009




Pai de família

* Por Fábio de Lima

Você, caro leitor amigo, assistiu ao documentário “Super Size Me – A Dieta do Palhaço”, de 2004? Se não assistiu ainda, assista. Mas, apesar de uma das minhas paixões na vida ser o cinema, minha história de hoje não tem nada a ver com a Sétima Arte. Eu nem estou num momento legal para falar de filmes. Na verdade, hoje eu não queria falar de nada e nem queria falar com ninguém – mas sentei na frente do computador e vamos lá.

Ontem foi segunda-feira, 25 de maio de 2009? Não, não foi. Ontem foi sexta-feira, 22 de maio de 2009. Enquanto escrevo esse texto, o relógio me mostra serem 10h00 e o calendário me mostra ser sábado. E ontem eu entrei às 21h15 na famosa lanchonete do palhaço para fazer um lanche. Eu tinha acabado de fazer uma merda na minha vida e estava com dor de cabeça, triste e com fome. Acho que um sintoma nada tinha a ver com o outro – mas eu estava com os três.

Uma fila imensa. Qualquer um na minha situação teria desistido. Eu não desisti. De repente acontece o fato. Ele estava três metros e trinta e sete centímetros distante de mim. Era um jovem senhor de uns 40 anos de idade e derrubara duas bandejas no chão. Caíram os lanches, os refrigerantes e os sorvetes. Caíram também dois copos de vidro que eram brindes. E o jovem senhor carregava, pendurado ao pescoço, um filho de uns dois anos de idade. A cena foi ridícula e, ao mesmo tempo, patética. Escrevendo objetivamente, foi muito engraçado e, ao mesmo tempo, muito triste.

Vamos aos fatos engraçados: a lanchonete estava lotada. Boa parte da clientela era adolescente. Todo mundo olhou para aquele homem de quase 1,90m, gordo, e que lembrava muito o personagem do desenho infantil Sherek. Sim, caro leitor amigo, ele era a cara e o corpo do próprio Sherek. Ele estava se dirigindo à mesa segurando duas bandejas lotadas de coisas e mais o filho pendurado no pescoço. Óbvio que não ia dar certo. Então, quando derrubou tudo aquilo no chão, pelo menos 50% dos clientes da lanchonete não conseguiram conter as risadas.

Além disso, quando ele derrubou tudo não falou absolutamente nada. Ficou parado com os olhos esbugalhados e a boca aberta. Seu filho pendurado ao pescoço (o que aquela criança estava fazendo ali eu não sei) também esbugalhou os olhos e ficou com a boca aberta. E quem, assim como eu, olhou para a mesa que estava sentada a esposa do Sherek, a viu com os olhos esbugalhados e a boca aberta. Toda a cena era extremamente ridícula. Ou seja, quem não deu uma única risada estará mentindo ao dizer que não teve vontade.

Vamos aos fatos tristes: o jovem senhor era um pai acompanhado de seu lindo filho e de sua amada esposa vivendo um momento gostoso, em família. Mas esse homem, que nunca saberei o nome e nem a sua história, apesar de estar me apropriando de um fato de sua vida para fazer literatura, sentiu-se humilhado e envergonhado na frente de filho, esposa, e demais presentes. Ele ficou durante todo o tempo, depois do acontecido, sem olhar para o rosto de ninguém. Ele se sentia muito mal. Era evidente isso.

Um rapaz que estava na fila tirou a criança do pescoço do jovem senhor para que ela não chorasse – visto que parecia bem assustada. O jovem senhor levou as bandejas com batatas ensopadas de refrigerante para a mesa. Colocou uma batata na boca para disfarçar o constrangimento. Voltou para o local do incidente e pegou o filho das mãos do rapaz. Disse obrigado sem olhar para ele e voltou para a mesa. Entregou à esposa, colocou outra batata na boca e voltou lentamente à fila enorme para recomeçar tudo de novo.

Eu vendo tudo aquilo não sabia como ajudar. Pensei em dizer que se ele fosse direto ao balcão dariam todos os lanches para ele, de novo, e sem cobrar nada – mas eu não tinha certeza se poderia ser assim mesmo ou não. Então, silenciei. O jovem senhor ficou ali na fila, totalmente sem graça, e sem olhar para o rosto de quem quer que fosse. Até que, minutos depois, outro rapaz preocupado com o que tinha acontecido chegou para o jovem senhor e falou para ele ir direto ao balcão e pedir tudo de novo – sem pagar nada – pois ele tinha a nota fiscal e todos viram que ele não consumiu nada.

O jovem senhor disse obrigado sem olhar para o rapaz e foi ao balcão explicar o inexplicável. Os atendentes prepararam todo o seu pedido, novamente, com total respeito e atenção, e o jovem senhor, aos poucos, foi recobrando seu respeito próprio e seu semblante de pai de família. A humilhação que sentiu foi se esvaindo e quando ele se dirigiu novamente à mesa, carregando uma bandeja por vez, e com todo o cuidado, eram nítidos, nos olhos de esposa e filho, a admiração e o carinho por um pai de família admirável.

Eu, vencida a fila, segurei minha lágrima que teimava em brotar do olho esquerdo e fiz o meu pedido mostrando o número 1 com o dedo indicador, e sonhando com o dia em que serei um pai de família também. Não sei se tão íntegro e admirável como o Sherek, mas querendo acertar sempre – assim como ele.

* Jornalista e escritor, ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO, com publicação (ainda!) em data incerta.

6 comentários:

  1. Com uma lágrima nos olhos fiquei eu, pq acabei de ler um dos textos mais tocantes, seja pela solidariedade a alguém exposto ao ridículo para divertimento alheio, seja pela impotência de reagir a uma sociedade acovardada que se habituou a incensar os eficientes - pretensiosos e sádicos eficientes. E o que dizer dos três porquinhos sodomizados pelo lobo ianque, hein? É, é de lascar! A mitologia dos "comics" faz a metáfora do povo em figuras assim patéticas, personificação da derrota. Teu coração, como o meu, caro Fábio, pulsa de compaixão pelos batidos, pq és humano. Te abraço, por isso, com o calor mais intenso de que um amigo é capaz. Parabéns por vc inteiro!!!

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  2. Que crônica linda,Fabio!Tão bem construida que visualizei toda a cena, senti nas entrelinhas sua emoção e solidariedade, e fiquei imaginando o que teria acontecido a você para estar tão triste...tão chateado.
    26 beijos pra você
    Risomar

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  3. O gordo já é apontado como palhaço e sofre discriminação o tempo todo. Quando apronta um desastre, como foi o caso, vira motivo de riso geral. Caso fosse magro,a graça seria a mesma? De fato, olhando uma cena assim, nada há para rir. Sou estranha. Nunca me diverti com as video-cacetadas. Elas me deprimem como te deprimiu o caso das bandejas no chão. Também senti pena. Sem contar o desperdício.

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  4. Daniel, Risomar e Mara, obrigado pelo carinho. Risomar, 90% dos meus problemas tem a ver com as mulheres que me envolvo. Os outros 10% também têm, mas eu não admito (rs)! Mais beijos pra você!

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  5. Gostei de ver o constrangimento superado. A vida é assim, Fábio, quem nunca tropeçou ou derrubou algo que atire a primeira pedra. Na idade do jovem senhor já se aprendeu a voltar para a fila sem rubor. Gostei de sua exposição sem máscaras.
    Bjs e parabéns!

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