segunda-feira, 11 de maio de 2009




Cansado de ser corno

* Por Celamar Maione


Elza olhou o relógio. Onze da noite. Respirou fundo, passou a língua nos lábios, colocou a chave no portão e entrou. A casa estava silenciosa. Jogou a bolsa no sofá e se dirigiu para o banheiro. Tomou banho, enrolou-se num roupão e entrou no quarto. Assim que abriu a porta e já ia acender a luz, Aderson agarrou-a pelo pescoço e jogou-a na cama.
- Onde você estava até essa hora?
- Me solta Aderson. Tá machucando meu pescoço.
- Não vou soltar enquanto não responder. Fala. Anda.
- Acende a luz e vamos conversar!
- Anda. Fiz uma pergunta e você não respondeu. Onde você estava até essa hora?
- Eu falei pra você que ia no aniversário do filho da Marise.
- Que Marise? Nunca ouvi falar em Marise.
- A Marise, minha colega de trabalho.
- E precisa deixar o celular desligado?
- Me solta Aderson!
- Não! Primeiro me conta . Quem é ele?
- Ele quem?
- O macho com quem você está saindo?!
- Não tô saindo com ninguém, deixa de maluquice!
- Fala. Quanto mais mentir , vai ser pior.
- Quer mesmo saber?
- Abre logo essa boca! Fala, merda.
- Tá me machucando. Tira isso dá minha cabeça.
- Fala. Ou vou apertar mais seu braço.
- Você quer saber mesmo?
- Quero. Sua última chance.
- Seu irmão .
- Você me traiu com meu irmão, sua cachorra?
- Nós só tomamos um chope . Nada demais.
- E não é nada demais?
- Não me bate. Na minha cara não.
- Pra você aprender. Fala. E naquele dia que você chegou mais tarde e colocou a culpa na chuva? Quem era o cara?
- Que dia?
- O dia da chuva. Quem era ele?
- O cara da academia.
-Aquele fortão?
- É. Aquele mesmo que me deu carona naquele dia.
- Vagabunda.
- Pára Aderson. Tá machucando.
- Você pensa que eu gosto de ser corno é?
- Eu disse isso?
- Pensa é? Responde!
- Não. Mas a culpa é sua.
- Minha? Você me trai e a culpa é minha?
- Quem deixou de me procurar na cama? Quem, Aderson? Quem? Responde
- Já disse que estou com problemas.
- Mas eu sinto falta.
- Você sente falta é? Você é uma vadia!
- Não Aderson. Vira esse troço pra lá! Pára de brincadeira.
- Você acha que eu tô brincando?
- Acho. Você não tem coragem.
- Ah é? Então quer dizer que além de corno , você acha que eu sou covarde ?
- Eu vou gritar.
- Grita. Pode gritar. Você vai morrer gritando.
- Não . Aderson. É mentira . Eu não traí você. É tudo mentira. Eu tava brincando.
- Brincando? É? Liga pra tua mãe. Vai. Toma o celular. Liga agora.
- Pra quê?
- Pra avisar aquela sogra filha da puta que a filhinha dela vai para o inferno junto com ela.
- Não Aderson. Me dá isso aqui. Não, Aderson.
- E vai ser na cara. Pra na hora do enterro seus amantes não olharem pra esse rostinho sem vergonha!
- Não....nãooooooooooooooooooooo!

Aderson puxou o cabelo da mulher com força. Enlouquecido, urrava :
- Fala, vagabunda! Fala que me traiu.
- Traí sim! Traí com três homens lindos!
- Eles eram melhores do que eu na cama?
- Muito melhores! Eles me fizeram gozar gostoso!
- Repete, vadia!
- Eles me fizeram gozar gostoso!
- Vagabunda! Pilantra!
- Tira isso da minha cabeça e vem aqui comigo, Aderson!

Aderson jogou a arma no chão e falou no ouvido de Elza quase gemendo :
- Tô cansado de ser corno, sua cadela!
-Repete!
- Tô cansado de ser corno, CADELA!
- Duvido! Eu sei que você gosta!

Ele estapeou a mulher. Ela gritou excitada. Transaram até quase o dia amanhecer.

Quando Elza adormeceu, Aderson foi até a sala, pegou uma taça de vinho e bebeu com satisfação de criança .

*Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

5 comentários:

  1. Uma aparente má disputa poderá tornar-se uma boa disputa, um incentivo, um "up" a mais. Estranhas necessidade estas, de quase perda para obter uma ereção. O remédio acabou funcionando, mesmo que a um passo de um assassinato. Muito forte Celamar. Parabéns!

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  2. Repito Mara: muito forte. Assustador mesmo observar até que ponto uma relação pode se tornar doentia, ainda mais que os diálogos estão perfeitos até culminarem no desfecho desconcertante. Parabéns, Cel. Este é um dos textos mais demolidores, impactantes que vc já criou.

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  3. É impressionante sua capacidade de explorar o comportmento humano e nos surpreender, Cel! Um texto de tirar o fôlego. Parabéns, amiga! Bjs

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  4. Hoje você beirou o surreal, Celamar. Talvez por isso mesmo que sua chamada seja: A VIDA COMO ELA É...! 12 beijos, Celamar.

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  5. Mas afinal, o cara era corno mesmo ou era só teatrinho? Não importa, é a inquietante Celamar com mais uma das suas. Parabéns, amiga.

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