A
última vez que vi Paris
* Por
Sergio Geia
Sexta-feira
quentíssima, manhã de dezembro, eu aqui, na frente da tevê,
assistindo “A última vez que vi Paris”. O filme é de 1954, com
Liz Taylor lindíssima no papel de Helen Ellswirth, uma americana que
vive em Paris com a irmã Marion (Donna Reed – também lindíssima)
e o pai, James (Walter Pidgeon). Helen se apaixona pelo soldado
americano Charles Wills (papel de Van Johnson), o filme mostra a
história de amor dos dois na mais romântica das cidades europeias.
Helen,
uma mulher e tanto, muito à frente de seu tempo, encanta-se com
Charles. Casam-se, e, enquanto ela está feliz da vida e satisfeita e
toda prosa, ele está obcecado por suas veleidades literárias. A
obsessão torna a vida difícil para os dois a ponto de colocar o
casamento em risco.
“A
última vez que vi Paris” tem direção de Richard Books, roteiro
de Richard, de Julius J. Epstein e Philip G. Epstein, e se baseia no
conto de F. Scott Fitzgerald chamado “Babilônia Revisitada”.
Fitzgerald é o romancista de “O Grande Gatsby”, famoso por seus
livros sobre a sociedade americana e a geração perdida, alcoólatra,
boêmio, que morreu cedo, aos 44, de ataque cardíaco.
Dou pause. Após
alguma hesitação, levanto e coloco num copo uma dosinha de Jack
Daniel’s com duas pedras de gelo. Na mesma proporção que vou
saboreando a vida (e a bebida), vou me encantando com o filme, com a
leveza de Liz, com o enredo (ingênuo, romântico, despretensioso), e
vou vendo brotar em mim um sentimento tão bom, tão gostoso, que
fico a me perguntar “que raios de sentimento é esse?”
Não
sou lá muito entendido de sentimentos. Felicidade no passado foi
tema de estudos meus. Sim, tínhamos um grupo que se reunia
quinzenalmente pra discutir essa tal felicidade, tendo como ponto de
partida “A arte da felicidade” do Dalay Lamma. No fundo, todos
nós queríamos (e queremos) a felicidade, mas me pergunte hoje o que
é felicidade, e este aluno estudioso, aplicado, irá coçar a
cabeça, olhar de lado, do outro, pensar, e depois de muito pensar,
não encontrará uma resposta.
Paz
de Espírito? Algo mais amplo como um estado mental? Equilíbrio?
Sentimentos positivos? Será? Prazer? Não. Prazer é momentâneo,
superficial, passa rápido. Felicidade é mais que isso. Talvez minha
experiência com “A última vez que vi Paris” seja algo mais
próximo de prazer. Um chope com amigos regado a conversas animadas?
Ouvir no sofá (de preferência deitado, com olhos fechados), Nana
Caymmi cantando “Resposta ao tempo”? Pra mim, um grande prazer.
Dar um cochilo depois do almoço?
“Felicidade
é uma cidade pequenina, é uma casinha é uma colina, qualquer lugar
que se ilumina quando a gente quer amar”, a música surge, como pra
me responder com a resposta que eu não tinha. Na tevê, Charles tem
mais um romance recusado pela editora. Escreve folhas e mais folhas,
envia, e recebe apenas cartas com recusas. Ah, quem, nesse mundo cão
das letras, nunca recebeu uma cartinha dessas? (tenho um monte aqui).
Estudo
realizado em Harvard durante mais de 80 anos concluiu que a porta de
entrada para a felicidade está na qualidade dos relacionamentos do
indivíduo (um dado novo, não?), não só a dois, mas com pais,
avós, filhos e amigos. Pessoas satisfeitas com seus
relacionamentos conseguem manter o cérebro e o corpo saudáveis por
mais tempo. E o que é uma relação de qualidade? É aquela em que a
pessoa se sente segura, e pode ser ela própria, sem ter que se
reinventar apenas para satisfazer o outro.
Não,
caro leitor, eu não quero falar desse jeito. Não sou professor,
filósofo, pensador, cientista. Sou apenas um cronista que pretende
dividir com você um momento alegre. Eu não pensei em falar assim:
“Estudo realizado em Harvard...”. Eu não quero falar de estudos,
trabalhos, pesquisas, pensamentos, opiniões, com a pretensão de
ensinar felicidade.
O
Pondé, por exemplo, diz que felicidade é satisfação de desejo, e
que temos muitos momentos felizes, e outros nem tanto, mas assim a
vida é. Não há felicidade duradoura e permanente; há momentos
felizes, e quanto maior a expectativa, como a do Charles, maior a
chance de ser menos feliz.
Agora
meu coração aperta e dá até vontade de chorar. Isso de modo algum
representa tristeza, mas sensibilidade com o desejo da pequena Vicki
de sair com o pai. Essa coisa bobinha me toca, me alisa, me sacode,
me bagunça a alma.
A
verdade, amigo, é que eu só queria lhe dizer que estou assistindo
“A última vez que vi Paris”, nessa manhã de dezembro, na
pequena sala do meu apartamento, tomando uma dosinha de uísque,
sentindo o vento entrar pela sacada, espiando, vezenquando, o
solzinho tímido. Essas coisas tolas, mas que me tornam muito feliz
hoje
*
Cronista.
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