O
presidente da multinacional
* Por
Gustavo do Carmo
A
notícia caiu como uma bomba na Multiflex. O recém-empossado
presidente da multinacional de tecnologia de informação renunciou
ao cargo para cuidar da mãe.
Os
vice-presidentes e gerentes não acreditaram. As belas secretárias e
os tímidos estagiários até louvaram a nobre decisão do
demissionário dirigente. Só não entenderam o que levou um
executivo, que havia acabado de ser nomeado presidente, abandonar a
profissão para virar enfermeiro da mãe.
Douglas
chegou aonde chegou graças a muito esforço e dedicação. Formado
em informática, começou a trabalhar ainda adolescente como vendedor
de uma loja de roupas esportivas. Começou a estagiar no laboratório
da faculdade. Depois ingressou na Multiflex como auxiliar de
escritório. Ia ao banco e servia cafezinho para os diretores e
clientes esnobes.
Logo
passou exercer a função dentro da sua formação. Daí foi subindo:
assistente de tecnologia, chefe de setor júnior, gerente de setor
regional, gerente de setor nacional, vice-diretor nacional, diretor,
vice-presidente nacional e finalmente a presidência.
Duas
semanas depois da posse a sede mundial na Califórnia recebeu uma
carta de renúncia e demissão. Já esperava ser de algum executivo
sessentão, com quarenta anos de casa, solicitando aposentadoria. Ou
renunciando depois de um escândalo público. Repetiram a mesma
surpresa de toda equipe da filial brasileira quando notaram que a
carta vinha do seu mais jovem e talentoso executivo.
Na
carta Douglas anunciava claramente que estava deixando a empresa,
mesmo pondo em risco uma carreira promissora, para cuidar da mãe
doente. Enviaram até um representante para tentar demovê-lo da
idéia. Ofereceram os melhores tratamentos psicológicos para Dona
Clotilde, com médicos e enfermeiros vinte e quatro horas por dia.
Tudo para que Douglas continuasse na corporação. O jovem presidente
ficou profundamente comovido e agradecido pela consideração e a
preocupação. Mesmo com todos esses benefícios recusou. Para ele,
nada disso substitui o carinho de um filho.
O
também recém-nomeado vice-presidente Jackson, um coroa amigo de
Dona Clotilde e depois de Douglas, foi mais um que tentou convencer o
rapaz a não abdicar do cargo máximo.
—
Deixa
de loucura, rapaz! A sua mãe não está tão mal assim. Você recebe
muito bem. Pode pagar ótimos enfermeiros para ela.
—
Os
enfermeiros não cuidam tão bem como um filho. E ainda assim tenho
medo desses enfermeiros agressivos.
—
Não
tem perigo nenhum. Deixa de paranóia. E eu conheço a sua mãe. Ela
é muito dengosa. Vai acabar com a sua carreira só por causa de um
capricho dela? E se, Deus me perdoe, ela morrer? Já vai ter gente no
seu lugar. Vai ser difícil reconquistar o seu posto de novo com a
idade que você tem.
—
Não
me importo. Pela minha mãe eu faço tudo.
E
não teve jeito. O recém-empossado novo presidente mundial da
Multiflex, Douglas Miranda, que ia comandar as setenta filiais da
empresa no planeta, deixou a empresa para cuidar da mãe, Dona
Clotilde.
Dona
Clotilde era uma senhora bondosa e religiosa. Mimou bastante Douglas,
que era o filho único. Mãe solteira e tardia, criou-o com muito
carinho e dedicação. Advogada, renunciou a uma bem-sucedida
carreira de promotora para cuidar de Douglas quando ele tinha seis
anos. Tomou a decisão depois de sofrer algumas ameaças de morte e
de seqüestro. Tinha acabado de ser nomeada para a promotoria quando
pediu aposentadoria. Começou a costurar para fora para manter a boa
renda da família – que se resumia a ela e o filho - e passar o
tempo.
Quando
Douglas cresceu, Dona Clotilde abriu uma loja de aviamentos para
matar a solidão, pois o filho já trabalhava na loja de roupas e
começava a construir sua carreira profissional. Estudava de manhã e
trabalhava o resto do dia. Não tinha tempo para dar atenção à
mãe. Douglas foi mimado, mas nunca se deixou mimar.
Com
a renda da loja de aviamentos, da costura e da aposentadoria da
justiça tinha um bom padrão de vida e não precisava do alto
salário do filho. Mas ainda se sentia sozinha com a prioridade que o
filho dava ao trabalho. Começou a procurar novas amigas e até um
namorado na internet. Conheceu algumas e alguns, mas logo enjoou e
ficou solitária.
Um
mês antes de Douglas ser nomeado presidente da Multiflex, Dona
Clotilde sofreu uma queda e fraturou a bacia. Mesmo precisando dar
assistência à mãe, Douglas não precisou faltar nenhum dia de
trabalho. Estava de férias. Quando terminaram, Douglas foi nomeado
presidente mundial da empresa. Ia ser transferido para os Estados
Unidos.
Mesmo
depois de curada da fratura, Dona Clotilde caiu numa depressão
profunda. Não queria comer e se recusava a levantar da cama. Nem
mesmo para fazer as necessidades fisiológicas. Quando o filho lhe
contou que fora nomeado presidente da multinacional, usou um olhar
tão profundo, triste e carente que Douglas se sentiu culpado por ter
priorizado a carreira profissional e deixar a mãe para morar no
exterior.
Com
uma voz já fragilizada pela prostração, Dona Clotilde ainda tentou
demover o filho da decisão de se desligar da Multiflex para cuidar
dela, embora, no fundo, queria exatamente isso. Mas Douglas lembrou
que ela fez o mesmo para cuidar dele. Se sentia obrigado a retribuir
o gesto da mãe.
E
assim ficou explicado porque Douglas pediu demissão do cargo de
presidente mundial da Multiflex, deixando de se mudar para a
Califórnia.
No
fim do primeiro dia como enfermeiro da mãe, após um cansativo
expediente de aplicação de remédios, refeições, limpeza e banho,
Douglas perguntou:
—
Ainda
vai precisar de mim por hoje, mãe?
—
Não,
meu filho. Pode ir dormir. Respondeu Dona Clotilde com uma voz
sussurrante.
—
Vou
mesmo, mãe. Estou morto de cansaço. Boa noite e dorme com Deus.
—
Boa
noite, meu filho. Desejou a senhora com o mesmo sussurro.
Douglas
já roncava quando Dona Clotilde se levantou, pegou o notebook,
conectou-se ao messenger e teclou:
Clô
Fatal disse:
Oi
Jackson, meu amor! Parabéns! Você conseguiu. É o novo presidente
da Multiflex. Mas vou ficar com saudades.
Tchutchoco
disse:
Obrigado,
minha querida! Como o seu filho, que retribuiu o seu abandono da
carreira de advogada em prol dele, também vou retribuir o que você
fez por mim. Mandarei a sua pensão e uma passagem para você vir me
visitar aqui na Califórnia. Estava sonhando com esse cargo há
décadas, que ia ser meu. Quase morri quando aquele frangote imaturo
passou na minha frente. Sorte minha que ele tem uma mãe como você.
Clô
Fatal disse:
Além
de querer essa retribuição, eu também não queria meu filho indo
morar com aquela Rafaelle. Além de divorciada tem cara de piranha!
Não
havia nenhum sinal de depressão nos olhos brilhantes de Dona
Clotilde. Apenas um sorriso malicioso em seus lábios secos e
enrugados.
*
Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração.
Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de
São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos”.
Bookess
- http://www.bookess.com/read/4103-indecisos-entre-outros-contos/ e
PerSe
-http://www.perse.com.br/novoprojetoperse/WF2_BookDetails.aspx?filesFolder=N1383616386310
Nenhum comentário:
Postar um comentário