sábado, 23 de dezembro de 2017

Encontro fatal


As descobertas – ouso afirmar embora admita contestações – são uma das principais características da vida. Vivemos descobrindo coisas, concretas e abstratas, do nascimento à morte. E, fôssemos imortais, seguiríamos descobrindo eternidade afora. Chegamos a “este” mundo (desconheço, óbvio, se existe outro com condições de abrigar a vida como a conhecemos, embora intua que sim) simultaneamente estranho e hostil, porém também fascinante e misterioso, sem saber coisa alguma. Custamos a aprender a sentar, a engatinhar, a andar, a falar e vai por aí afora. E continuamos aprendendo, aprendendo e aprendendo, tanto coisas básicas e essenciais à sobrevivência, quanto as supérfluas, inúteis e algumas até nocivas e deletérias. Embora pareça clichê, e de fato seja, o saber não ocupa lugar.

Somos dotados de insaciável curiosidade, que é a "mãe" de toda a sabedoria (mas, não raro, também, de toda a burrice). Procuramos conhecer de tudo, quer esse conhecimento nos conduza a uma evolução, quer nos traga riscos de sofrer retrocessos ou até mesmo nos leve à autodestruição, ou individual ou até da espécie (como são os casos dos segredos do átomo e da estrutura genética, capazes de fazer o ser humano desaparecer do universo, se utilizados de forma inadequada).

O conhecimento de que mais necessitamos, porém, posto que apenas parcialmente, o autoconhecimento, é relegado a um segundo plano, como se fosse desnecessário. Ledo engano! E por que me refiro a essa “parcialidade” no processo de nos conhecermos a nós mesmos? Porque entendo que jamais teremos possibilidades de chegar ao autoconhecimento integral. Sei que muitos contestarão essa afirmação e é saudável e necessário que assim seja. A contestação, quando inteligente e civilizada, é não apenas útil, mas indispensável para se chegar à verdade (outra abstração ambígua) ou pelo menos se aproximar dela.


Não creio que haja alguém que se conheça integralmente e que não se surpreenda, amiúde, com alguma idéia, com algum desejo ou com alguma ação que não julgava ser capaz de ter ou praticar. Somos, mesmo que parcialmente, “estranhos” a nós mesmos. Isso mesmo. E, como é de meu estilo exagerar, não reluto em utilizar o superlativo “estranhíssimos”. Há quem busque (ou pelo menos aparente buscar) este autoconhecimento. A maioria, porém, sequer pensa nisso. Muitas pessoas, embora pensem, relutam em assumir essa tarefa. A maioria não a assume jamais. Aliás, sequer chega a tentar. Quem nem tenta, possivelmente, teme o que possa vir a descobrir a seu respeito, sabe-se lá.


Todavia, só conhecendo nossas potencialidades e vulnerabilidades (embora apenas algumas, porquanto insisto em minha crença na impossibilidade de um autoconhecimento integral) teremos condições de evoluir e, quem sabe, voar tão alto, a ponto de alcançar as estrelas. Por isso, vale o esforço.

Gosto de abordar este assunto, sempre que aparece oportunidade para tal, mesmo sem ter nada de novo a acrescentar ao debate. Embora não acredite na possibilidade de um autoconhecimento integral, defendo que devemos tentar, e tentar e tentar, exaustiva e permanentemente, chegar a essa “luz” espiritual. Aliás, este é o objetivo final de todos os filósofos e correntes filosóficas. Muitas não explicitam essa meta, mas ela está sempre subjacente em suas proposições e seus raciocínios.

As pessoas, no processo acelerado de massificação pelo qual o mundo atravessa neste início da segunda década do terceiro milênio da era cristã, sequer param para pensar qual a razão de suas existências. Não especulam (salvo exceções, naturalmente) acerca do que estão fazendo sobre a face da Terra. Em suma, não se entendem e nem procuram se entender. Não se estimam e nem se desestimam. Vivem porque vivem, e pronto! E se não têm um grau de estima genuíno por si próprias, não podem jamais sentir qualquer coisa de realmente profunda pelos outros. Daí a solidão que domina tanta gente. Daí a fuga para os “paraísos” artificiais de droga e do alcoolismo (na verdade infernos). Daí a violência crescente que pode nos destruir a todos. O que tais pessoas precisam é de objetivos claros e de um mínimo de autoconhecimento, para não dizer, de bom senso, que de fato não têm e, pior, nem procuram ter.

A este propósito, gosto de citar, sempre que o assunto vem à baila, uma afirmação do premiado poeta chileno Pablo Neruda, que escreveu: “Algum dia, em qualquer parte, em qualquer lugar, indefectivelmente, encontrar-te-ás a ti mesmo e essa, só essa, pode ser a mais feliz ou a mais amarga das tuas horas”. Fugir desse encontro é inútil, posto que impossível. Para alguns, será uma revelação gloriosa. Para outros...


Algumas verdades, preexistentes, mas que por alguma razão, não conseguimos alcançar em determinado período da nossa trajetória de vida, de repente, emergem diante de nós, se desnudam aos nossos olhos, se revelam à nossa consciência. Muitas são óbvias, mas encaramo-las dessa maneira apenas depois da revelação. Esta, em geral, ocorre com a aquisição da experiência, resultado de muitos anos de empirismo, de sucessivas tentativas e erros. Torna-se, para nós, também uma descoberta.


Robert Louis Stevenson faz interessante observação a esse propósito: "Todos podem executar seu trabalho, por difícil que seja, por um dia. Todos podem viver com doçura, paciência, ternura e pureza até que o Sol se ponha. E isso é tudo o que a vida realmente significa". Ou seja, ela é muito simples. Nós é que a complicamos com nossos temores, iras, ambições e egoísmo. Sei que estou sendo repetitivo, mas este é um vezo de jornalista. Afinal, o jornalismo tende a ser, e é, reiterativo.


Reagimos (para o bem e para o mal, mas geralmente para este último) muito em função das circunstâncias, do momento, das oportunidades. O que o indivíduo precisa é das informações básicas que o conduzam ao autoconhecimento. Ou, para ser coerente, à tentativa de chegar a ele. Reitero que, somente se conhecendo (posto que, insisto, parcialmente) o indivíduo estará capacitado a fazer a escolha do que entender ser o melhor para ele.

E se errar? Paciência! O erro é uma possibilidade onipresente de quem tenta, arrisca e age. Se o cometer, será, certamente, um fracassado e infeliz, caso não torne a tentar. Tem que continuar tentando, quantas vezes forem necessárias. Precisará, portanto, ter um objetivo na vida, um norte, uma direção para onde seguir. Mas de um que seja factível e de preferência de caráter altruísta, que lhe direcione as ações para metas maiores do que as individuais e mesquinhas. Só assim terá (posto que remota) possibilidade e se sentir minimamente realizado e feliz. Você se conhece? Eu, certamente, não.

Boa leitura!

O Editor.


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Um comentário:

  1. Faço psicanálise há 16 anos, sem interrupção. Antes fiz um ano e meio. Prestes a completar a maioridade, estou começando a me conhecer.

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