quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Escritor notável de gênero nobre


Os livros do gênero policial estão entre os mais lidos, entre as obras de ficção, da literatura mundial. Histórias bem urdidas, e bem escritas, envolvendo crimes, mistério, investigação e descoberta e punição dos culpados são – salvo raríssimas exceções – sucesso certo de vendas. Todavia, os críticos literários e estudiosos de literatura torcem o nariz para esse tipo de texto. Nenhum dos seus autores é relacionado entre os bons escritores de determinado país ou época. Nenhum deles conquistou o Prêmio Nobel ou sequer foi indicado para a premiação. O gênero – cuja criação é atribuída ao genial Edgar Allan Poe – é tido e havido como “o primo pobre” da Literatura. É visto, por muitos, como “subliteratura”. Subliteratura?!!!

Como considerá-lo assim quando se sabe que há escritores de primeiríssima linha que se consagraram escrevendo histórias policiais?! Não há leitor, por exemplo, que não conheça um Arthur Conan Doyle, criador do célebre personagem Sherlock Holmes. Tão célebre que se tornou sinônimo de “investigação”. Tão célebre que é mais conhecido do que seu criador. Cá para nós, Conan Doyle não se trata de um escritor de primeiríssima categoria? Claro que sim. Seus livros não prendem a atenção do leitor muito mais do que determinados romances atuais, tidos como o suprassumo da modernidade, mas sem qualquer nexo, sem pé e nem cabeça, premiados mundo afora, sem que os que os premiaram consigam sequer expressar, de forma coerente, o que foi que leram? Claro que sim.

E o que dizer de Agatha Christie, a notável primeira-dama do gênero policial, criadora de personagens fascinantes, entre os quais o mais célebre é o detetive belga, baixinho, inexpressivo, mas genial na solução de crimes, Hercule Poirot? Seus enredos não são geniais? Seu estilo não é delicioso e original? É possível iniciar a leitura de algum de seus livros sem seguir até a derradeira página, o largando pelo meio, por não despertar interesse e nem prender a atenção? Claro que não!

Poderia citar autores e mais autores do gênero policial, livros e mais livros com esse tipo de história, para fundamentar o que afirmo. Ou seja, que esses escritores fazem literatura, sim, e de primeiríssima qualidade e jamais subliteratura. No Brasil, todavia, poucos se aventuram a explorar esse filão, esse nicho temático, essa vertente literária. Que, aliás, não é das mais fáceis. Requer, além do que é exigido de todo homem de letras, como domínio do idioma, criatividade, cultura etc.etc.etc., lógica, coerência e bom gosto. Não que faltem leitores para esse tipo de literatura. Pelo contrário... Basta atentar para as vendas de livros de Conan Doyle e Agatha Christie, para citar, apenas, os autores mais populares.

Na Argentina, porém, o gênero é muito popular. Mais popular do que no Brasil. Jorge Luís Borges, por exemplo, era compulsivo leitor desse tipo de literatura. São muitos e muitos e muitos os escritores argentinos que escrevem livros com histórias envolvendo crimes e investigação. E todos têm mercado. Todos dão excelente retorno aos autores e editoras. Muitos conquistam, até, importantes prêmios internacionais.

Um dos escritores mais bem sucedidos nesse gênero é Ricardo Piglia – sobre quem já escrevi diversas vezes, neste espaço e de quem me confesso incondicional admirador. Embora perito nesse tipo de história, trata-se de um autor eclético, que escreve, com a mesma desenvoltura, capricho e talento, tanto ficção, quanto não-ficção. Tanto romances e contos policiais, quanto belas e profundas histórias de amor. Entre suas obras ficcionais, muitas das quais nunca lançadas no Brasil, destaco: “La invasión” (contos), “Nombre falso” (contos), “Respiración artificial” (romance), “Prisión perpétua” (novelas), “La ciudad ausente” (romance) e “Plata quemada” (romance).

Mas Piglia é um dos grandes nomes da literatura mundial também em obras de não-ficção. Não me surpreenderei se ainda vier a ser premiado com o Nobel de Literatura. Aliás, ficarei surpreso (e revoltado) se nunca ganhar esse prêmio. Entre seus livros não ficcionais destaco, mais a título de exemplo: “Critica y ficción”, “Formas breves”, “Tres propuestas para El próximo milênio (y cinco dificuldades)”, e “El ultimo lector”. Claro que escreveu e publicou muito mais do que isso. É, hoje, com certeza, o escritor argentino mais conhecido e respeitado em âmbito internacional.

Se você quiser conhecer melhor a literatura de Ricardo Piglia, detecto excelente oportunidade para tal. Recomendo que leia seu romance, “Alvo noturno”, lançado, se não me engano, em 2010, no Brasil, pela Companhia das Letras. E a recomendação vem a calhar em relação ao tema abordado nesta descompromissada reflexão. Por que? Porque a obra em questão é do gênero em que o escritor argentino melhor exibe seu imenso talento: o policial.

O romance recebeu um dos mais importantes prêmios da América Latina, o venezuelano Rômulo Gallegos. Não existe, pois, recomendação melhor do que esta. Ou existe? Ah, sim, existe. Conquistou, também, outro prêmio, e até mais badalado: o Dashiell Hammett, conferido pela Associação Internacional de Escritores Policiais.

Alvo noturno”, de 256 páginas, além de ter recebido edição primorosa da Companhia das Letras, conta com excelente tradução de Heloísa Jahn. Piglia explica, a propósito do romance, no que ele se diferencia de outras histórias do gênero: “... Não creio que ‘Alvo’ seja apenas um policial. Depois que o crime se resolve, o romance continua, a ideia foi justamente não ter um encerramento clássico, com a revelação do culpado”. E você vai perder a oportunidade de ter em sua biblioteca esta obra-prima?

Boa leitura!

O Editor.


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