domingo, 24 de dezembro de 2017

Presente de Natal



* Por Juremir Machado da Silva


Ei, vamos tomar uma cerveja que esta roupa de Papai Noel está me deixando louco de calor.
Hã… Vamos. Acho que o ar deste centro comercial não funciona bem. Também com esta barba e este mormaço…
Estou sem ar…
O patrão não vai reclamar?
Não tem criança agora.
Salta uma estupidamente gelada.
Pré-congelada.
Melhor tirar a barba para beber.
Também vou me pelar.
Mas, agora te vendo sem barba, eu te conheço: Chico da Dona Joaquina.
Paulinho do Seu Ari do Armazém.
Eras um pau de virar tripa.
E tu eras gordo e vivias enchendo o saco dos outros.
É. Muita coisa mudou.
Às vezes, eu penso nisto. Afundei.
Na cerveja?
Não. Na vida.
Tu não ias ser jogador de futebol?
Ia. Mas ninguém me deu bola na capital.
Chutavas muito bem de esquerda, um canhão.
É. Era minha especialidade. Agora é só bico. Tu só jogavas por ser o dono da bola. No resto, era uma seleção.
Um combinado.
Uma orquestra.
Uma charanga.
Tinha muita gente com nome de jogador naquele nosso time.
Joel, Nílton e Bebeto.
Platibanda, Nico e Marli.
Marli não. Isso é nome de biba. Platibanda, Nico e Gessi.
Não se dizia biba na época.
Tudo evolui.
De tanto pensar, eu me afundo.
Na vida?
Na cerveja.
Que foi que deu errado?
Isto.
A cerveja?
A vida.
E a tua irmã? Era linda.
Casou com um jogador de futebol.
Rico?
Não. Da terceira divisão. É reserva de Papai Noel em outro shopping.
Eu era gamado nela.
Não se diz mais gamado.
Está bom, vidrado. Continuo o mesmo. Vou devagar.
Na cerveja?
Na vida.
Não ias ser médico?
Sou.
E que estás fazendo aqui de Papai Noel?
Diminuindo o estresse.
Sem papo. Andas de saco cheio?
Não. Eu vinha da escola da minha filha quando me chamaste para tomar uma cerveja.
Boa essa! Dá um abraço. Posso te ajudar em alguma coisa?
Me fala mais daquele nosso time. No ataque, tinha Duda, Maninho e Sadi. Lembra daquele gol antológico que eu tomei?
Não lembro.
Aquele de escanteio.
Lembro de um do meio do campo.
Não lembro.
Apesar de gordo e frangueiro, eras um bom goleiro. Quero dizer, tinhas potencial.
Eu era o dono da bola.
Outra estupidamente gelada.
Pré-congelada.
Ah…
A vida?
Sim. A vida.
Vamos passar o Natal juntos.
Não posso. Sou Papai Noel. Estou de serviço.
Eu te ajudo, amigo velho.
Teu saco está cheio. Cuidamos dele primeiro. Depois mergulhamos de cabeça.
Na cerveja?
Na vida.



* Jornalista e historiador.


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