Fuja das generalizações
O
noticiário diário dos meios de comunicação, com sua carga
negativa, relatando crimes, desastres, desgraças de toda a sorte e
corrupção, passa a impressão aos desavisados e às pessoas
influenciáveis e de nível de informação relativamente baixo, que
as virtudes foram banidas, de vez, do Planeta. É certo que tudo o
que de ruim é noticiado, é real. Existe de fato. Não é inventado
pelos jornalistas (embora, não raro, seja enfatizado mais do que
deveria, quando não exagerado).
O
mundo é, mesmo, assim. Todos os dias, sem exceção, têm a sua cota
de desgraças. E isso ocorre desde o surgimento do homem. As pessoas,
óbvio, são diferentes e o mal e o bem convivem desde sempre. O ruim
é quando nos deixamos vencer pela tentação das generalizações.
Não é porque determinada mulher, não importa por qual motivo, se
desfaz de seu bebê, que “todas” as mães tenham perdido o
instinto materno, básico, de proteção de sua prole. Não é porque
um sujeito bronco qualquer espanca a esposa, provavelmente sob efeito
do álcool e/ou das drogas, que se pode dizer que não há mais amor
no mundo e que o casamento é uma instituição falida. E vai por aí
afora.
O
escritor precisa ter cuidado na avaliação da realidade. Afinal, se
ficcionista, cabe-lhe criar enredos que tenham um mínimo de
verossimilhança. Se escrever, todavia, uma história em que todos os
personagens sejam virtuosos e rivalizem em santidade com São
Francisco de Assis, seu livro, com certeza, será um fracasso. A
realidade, nua e crua, não é assim. Todavia, o mesmo ocorrerá se
situar seu enredo num inferno sobre a terra, em que lobo coma lobo e
não haja um mínimo de ética e de respeito mútuos. Seu texto
também não será verossímil e dificilmente prenderá os leitores
da primeira à última página.
O
filósofo e historiador norte-americano Will Durant, no livro
“Filosofia da vida”, observa: “Ainda nascem entre nós santos;
homens de boa vontade frequentemente cruzam-se conosco; raparigas
modestas podem ser encontradas, se soubermos procurá-las; em
milhares de lares existem mães pacientíssimas; e a imprensa diária
nos mostra com que frequência o heroísmo aparece ao lado do crime”.
Exagero? Claro que não. Cada um de nós conhece, certamente, um bom
punhado dessas pessoas virtuosas, generosas e solidárias, que talvez
sequer nos chamem a atenção. Mas elas existem.
E
Durant prossegue, citando exemplos práticos a propósito: “Quando
uma inundação sobrevém, milhares de pessoas se apresentam para
ajudar, e milhões contribuem com auxílio financeiro; se um povo
está na agonia da fome, até de nações inimigas lhe advém
socorro; se exploradores se perdem, outros se apresentam para
procurá-los”. E não é o que acontece?
Você
mesmo, caro leitor, é provável que tenha tomado a iniciativa de
fazer campanha em favor de vítimas de catástrofes climáticas que
você sequer conhecia, mas cujo sofrimento sensibilizou-o e o levou a
agir. O nível de mobilização para socorrer os que foram afetados
pelos deslizamentos de terra na zona serrana do Rio de Janeiro, há
uns seis anos, foi exemplar e comovedor. Se a ajuda chegou, de fato,
aos que dela precisavam, são outros quinhentos. Mas não se pode
afirmar, com base nos atos de algumas pessoas insensíveis e omissas,
que o senso de solidariedade e de piedade haja sido banido da Terra.
Não foi! Alguns, porém, baseados em notícias nada consoladoras,
generalizam e afirmam que sim.
Will
Durant acrescenta, a propósito: “Ninguém ainda mediu a
potencialidade do homem para o bem. Atrás do nosso caos e do nosso
crime, permanece a bondade fundamental da alma humana. Essa bondade
espera que o tumulto chegue ao fim e que por meio do processo de
experiência e erro outra ordem social, mais nobilitante do homem,
surja”.
Aliás,
a citação desse filósofo e historiador me dá pretexto para
tratar, mesmo que superficialmente, desse homem notável. William
James Durant foi desses intelectuais que sempre se preocuparam em
exercitar o que pregavam. Destacou-se por liderar importantes causas
sociais. Por muitos anos, por exemplo, ao lado da esposa, Ariel,
lutou pelo voto feminino nos Estados Unidos. Foi mais longe e
batalhou por salários iguais entre homens e mulheres que exerciam as
mesmas funções, quando o feminismo era tido como coisa de
“agitador”. Outra causa em que se empenhou foi por melhores
condições de trabalho para os trabalhadores. E vai por aí afora.
Por
essa exposição, teve que se haver com inimigos poderosos,
favoráveis a deixar as coisas como estavam e foi acusado de
anarquista, por uns e de comunista, por outros, embora não fosse nem
uma coisa e nem outra. Era, sobretudo, um humanista, um ativista
social. Antes, muito antes do surgimento das campanhas em favor dos
direitos civis, ou seja, da igualdade de tratamento entre brancos e
negros, lá pelos idos da década de 40 do século XX, Will Durant e
a esposa já se empenhavam por essa causa. Pregá-la, nessa época,
era querer cair em ridículo, tão improvável parecia seu êxito.
Mas
não foi, apenas, por seu ativismo que o casal se destacou. Marido e
mulher escreveram vários livros em parceria, entre os quais “A
história da civilização. Rousseau e a Revolução”, obra em dez
volumes agraciada com o Prêmio Pulitzer. Will escreveu, sozinho, a
“História da filosofia” e “Filosofia da vida” que, sempre
que tenho pretexto, cito, amiúde, em minhas reflexões. Como se vê,
trata-se de um intelectual plenamente credenciado, instruído, hiper
bem informado, com condições, portanto, para alertar-nos dos
perigos das generalizações. Não foi, pois, nenhum alienado que
enxergava o mundo sob um prisma cor de rosa.
Will
Durant foi um sujeito vencedor. No final da vida, foi reconhecido até
pelos mais ferrenhos adversários. Em 1977, por exemplo, recebeu, das
mãos do então presidente Gerald Ford, a maior honraria que seu país
poderia outorgar a alguém: a Medalha Presidencial da Liberdade. O
jornalista, professor, filósofo e historiador teve na esposa, Ariel,
seu grande amor. E, principalmente, a mais preciosa parceira que
poderia encontrar. Curiosamente, faleceu exatas duas semanas após a
morte dela, em 7 de novembro de 1981. Eram como uma única pessoa em
dois corpos.
Portanto,
caro leitor, quando influenciado pelo noticiário tenebroso e trágico
você tiver a tentação de achar que tudo está perdido e que o
mundo não tem mais jeito, lembre-se da constatação de Will Durant:
“Ainda nascem entre nós santos; homens de boa vontade
frequentemente cruzam-se conosco; raparigas modestas podem ser
encontradas, se soubermos procurá-las; em milhares de lares existem
mães pacientíssimas; e a imprensa diária nos mostra com que
frequência o heroísmo aparece ao lado do crime”. Felizmente, só
posso acrescentar. Embora, convenhamos, sejam cada vez mais raras as
notícias positivas da imprensa, que quer assumir papel que não lhe
cabe: o de partido político.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
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