Afinidades literárias
Um
judicioso (como tudo o que ele escreve) e generoso comentário do
escritor Urariano Mota, feito, há já alguns anos, a determinado
texto que escrevi, a propósito de leitura, merece considerações
mais extensas da minha parte, pelo tanto de verdade que contém.
Aliás, por falar nesse brilhante “escriba” (permita-me chamá-lo,
carinhosamente, dessa forma, caro mestre), aconselho que vocês
comprem, leiam, recomendem e deem de presente seus livros “Soledad
no Recife”, “Os corações futuristas”, “O filho renegado de
Deus”, “Dicionário amoroso de Recife” e “A mais longa
juventude”. Tenho absoluta certeza que vocês irão me agradecer
por essa dica.
Mas,
voltando ao assunto, Urariano observou, no aludido comentário: “há
um outro fenômeno na leitura talvez mais poderoso: é o que fica
guardado lá no mais íntimo do espírito, e não nos demos conta”.
É verdade. Determinados conceitos e até formas de expressão de
nossos escritores favoritos são captados pelo subconsciente e,
quando nos damos conta, emergem ao consciente, não raro
literalmente. E por que isso acontece? Entendo que ocorra em virtude
da afinidade que descobrimos ter com tais autores.
Isso
reforça ainda mais minha tese de que “leitura é ato de fé”.
Absorvemos dela as ideias, conceitos, valores, experiências etc. que
de alguma forma nos dizem respeito. Urariano ainda completa seu
brilhante comentário com uma experiência pessoal: “Na releitura
de ‘O Som e a Fúria’ estou percebendo isso. Da minha primeira
leitura ficaram coisas de que eu não me dava conta, coisas tais que
‘aproveitei’ em textos que eu julgava fossem apenas meus,
absolutamente originais”, escreve.
Como
boa parte dos meus leitores é constituída por escritores e
estudantes de letras (embora nem todos sejam nem uma coisa e nem
outra), são válidas e sumamente úteis as experiências de quem é
do ramo. Queiram ou não (possivelmente até de forma inconsciente)
elas certamente os irão orientar, de alguma maneira, no momento em
que estiverem redigindo seus respectivos textos.
Por
isso, sem nenhum receio de ser mal interpretado, confesso, sem o
menor pudor, que tenho esse tipo de afinidade, basicamente, com
quatro escritores: Jorge Luís Borges (e quem é meu leitor assíduo
certamente já notou isso), Henry David Thoreau, Johann Wolfgang von
Goethe e Ralph Waldo Emerson.
Claro
que não escrevo igual a nenhum deles e nem poderia. Os quatro são
gênios, enquanto eu não passo de escritor comum, como há milhões
mundo afora, talvez um pouquinho mais esforçado do que a média,
certamente com índice de leitura maior do que a maioria (e perdoem a
falta de modéstia) e um redator compulsivo (não seria obsessivo?).
Estou, contudo, há anos-luz da genialidade.
Minha
afinidade com esses monstros sagrados da literatura também não está
no estilo (os deles são absolutamente apurados, enquanto que o meu é
coloquial, embora muitos me acusem de ser demasiadamente erudito). E
muito menos está na originalidade. Está, isto sim, no enfoque, na
visão de vida, na defesa da absoluta liberdade (posto que com
responsabilidade) do homem (embora nenhum deles admitisse jamais que
fosse anarquista, mas eu admito que sou).
Não
raro, pilho-me abordando, da minha maneira canhestra, em algum ensaio
(60% da minha produção literária são desse gênero), conceitos
abordados com perícia e genialidade por estes grandes mestres, sem
sequer me dar conta. Quando alertado por leitores, todavia, tenho o
cuidado de escrever novo texto dando o devido crédito ao autor de
fato, ao original, da abordagem, embora as formas sejam rigorosamente
diferentes: as dos quatro gênios citados sempre genial e a minha
cheia de furos e ambiguidades (como seria de se esperar, lógico).
É
bom que se frise que, tanto no caso citado pelo Urariano, quanto no
meu, não se trata de nenhum plágio. E mesmo que eu quisesse plagiar
esses “monstros sagrados” (o que jamais faria em circunstância
nenhuma), minha competência não chegaria a tanto. Trata-se de
reverência, de respeito intelectual, de gratidão por eles terem
existido e sido o que foram e, sobretudo, de afinidade (literária e
espiritual). Reputo isso como bênção! É fruto, reitero, de um
“ato de fé”.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
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