domingo, 12 de fevereiro de 2017

Período colonial

* Por Rocha Pombo


1. Desde tempos imemoriais, a Europa começou a pressentir a existência de novos continentes. Parece que se deve dar o valor de tradição mais antiga relativa à América ao que nos deixa Platão no seu livro Timeu, o qual infelizmente chegou truncado aos nossos dias. Refere o filósofo grego que achando-se Sólon no Egito, teve ensejo de ouvir aos sacerdotes de Saís a narração de sucessos decorridos na imensa e rica ilha Atlântida, situada no Oceano Atlântico, a muitos dias do continente, para o Oeste. Os padres descreveram as estranhas terras, a população, o governo, os costumes dos habitantes, nas guerras de uns contra outros, etc., e acrescentaram que tais acontecimentos haviam se passado 9.000 anos antes da ida do legislador grego ao Egito.

2. A julgar pelo que nos ficou do escrito de Platão, portanto, é incontestável que os sábios do Egito tinham notícia da existência da América. Além do Timeu, o livro Crítias, ainda do divino filósofo, contém alguma coisa mais que confirma a antiguidade da tradição. Aristóteles igualmente faz referência positiva à grande ilha Atlântida ou Antilla, para o Ocidente da Hespéria, “muito além das colunas de Hércules” (Estreito de Gibraltar). Acrescenta que a referida ilha havia sido descoberta e povoada em segredo pelos Cartagineses. Esta nota, entretanto, poderia dar a entender que Aristóteles referia-se às ilhas Fortunadas (Canárias) a cerca de mil milhas de Gibraltar para o Sudoeste.

3. Mas Aristóteles não deixa lugar à dúvida quando, ao tratar da Índia, diz que é um país tão vasto que navegando-se sempre ao Ocidente, ir-se-á dar a ele. Na Eneida, cerca de três séculos mais tarde, Virgílio parece que dá uma vaga alusão à existência de um mundo desconhecido, quando põe na boca da sombra de Anquise o solene prognóstico dos destinos de Roma. Sêneca, o trágico, também repete, na mais notável de suas obras, a Medeia, a predição da descoberta futura de um novo continente.

4. No século XV essas tradições relativas à existência de extensas terras muito para o Ocidente do mundo antigo tomaram grande vulto, e as conjecturas e observações dos geógrafos e dos navegantes pareciam gravitar em torno de tal hipótese. Para isso, concorriam naturalmente os notáveis progressos feitos na arte da navegação marítima, na da construção naval, e sobretudo a invenção ou o conhecimento da bússola pelos europeus, permitindo que os navegantes afrontassem a vastidão do Oceano sem risco de se desorientarem.

5. Pode-se mesmo dizer que a existência de novos mundos era uma ideia que agitava o cérebro e o coração de toda aquela época. Além das tradições e dos pressentimentos mais ou menos vagos, indícios mais claros e precisos calavam mais fundo no espírito dos empreendedores mais apaixonados. Um parente do próprio Colombo, em viagem para as Canárias, havendo se afastado um pouco para o Ocidente, encontrara um pedaço de madeira esculpida, flutuando sobre as águas e tocada do Oeste.

6. Os habitantes dos Açores tinham também uma vez recolhido nas costas um tronco de árvores desarraigadas e ainda verdes, indicando, pela direção, de onde eram trazidas pelos ventos, que tinham vindo de terras ocidentais. Um indício ainda mais positivo foi o aparecimento nas praias, dos cadáveres de dois homens, cujos traços não se pareciam com os de africanos, nem com os de europeus.

7. Um fato que era muito para impressionar os espíritos que nutriam preocupações de longas viagens marítimas e de grandes descobrimentos foi a seguinte notícia, que muitos têm ainda hoje como pura lenda, mas cuja veracidade é confirmada pela opinião de muitos escritores: quando os portugueses chegaram pela primeira vez às Canárias, encontraram numa das ilhas uma estátua de bronze, ou de granito, com os braços estendidos para o Poente, como a indicar o caminho para o novo mundo.

8. Além de tudo isto, corriam muitas outras tradições e lendas que avultavam em torno do vasto pensamento que andava agitando naquela época a alma humana. Dir-se-ia que as grandes correntes de povos e raças que se fundiram na Europa medieval sentiam-se já apertadas naquela parte da terra, e ante a imensidão do Atlântico suspiravam de novo pela eterna Hespéria que lhes fugia.

9. O que é verdade, portanto, é que o alvorecer dos tempos modernos, isto é, a transição da Idade Média para a Nova, assinala-se na História Humana por uma espécie de comoção dos espíritos, correspondente aos alvoroços gerais com que se reerguiam as esperanças no destino e se renovavam as energias do homem para a fase extraordinária que se abria. No meio de todas as ansiedades que caracterizaram aquele período, percebia-se, mais e mais dominante do que todas as invenções e todas as conquistas científicas que se realizavam, a ideia grandiosa e edificante da existência de novos mundos.

(Compêndio da História da América, 1900)

* Jornalista, advogado, professor e historiador, membro da Academia Brasileira de Letras.


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