Simplificando o que parece complicado
A Filosofia é a raiz de todo o conhecimento humano. Não é
nenhum exagero afirmar, pois, que se trata da “mãe de todas as ciências”.
Semanticamente, em uma tradução literal do grego (idioma do qual a palavra se
origina), significa “amor pelo saber”. E o filósofo, ou seja, quem a exercita,
é, por conseqüência, o “amigo da sabedoria”, que é outra acepção desse mesmo
termo. Bendita amizade! Não vejo nenhuma impropriedade em traduzir a palavra
Filosofia como o “estudo da vida”. Sobretudo, da inteligente (posto que não
apenas dela). Essa disciplina é prerrogativa, óbvio, do único ser vivo da natureza
com capacidade de entendimento e de expressão verbal (oral e/ou escrita) do que
entende.
Dizem que o golfinho tem certa “inteligência”, que vai além
do mero instinto. Pode ser. Há quem garanta que esse estranho ser marinho
conta, até mesmo, com linguagem própria, coerente, composta por em torno de uma
centena de “palavras”. Não duvido. Mas esse ser supostamente inteligente “filosofa”?
Ouso afirmar que não. Sua preocupação não vai além de ações instintivas como
prover alimentação. Ou como a reprodução. Ou como a autopreservação física. Nunca
vi, e nem soube que alguém tenha visto, algum golfinho “filosofando”. É uma
prerrogativa exclusivamente humana. O objetivo da Filosofia é o estudo de tudo
o que se relacione à vida, sobretudo a inteligente, tanto o concreto quanto o
abstrato (sobretudo, este). Ou seja, o conhecimento, a verdade, os valores
morais e estéticos, a mente e a linguagem.
Considero que todo ser humano, até mesmo o mais bronco dos
broncos, é um “filósofo” em potencial. Afinal, mesmo que apenas intuitivamente
(caso da imensa maioria), já se preocupou em algum momento da sua vida (ou
ainda se preocupa), com questões tais como a verdade e a mentira, a moralidade
e a imoralidade, o feio e o belo, a fonte do pensamento e a maneira de entender
os outros e de se fazer entendido. O que atrapalha que o leigo se aprofunde nas
grandes questões, a exemplo dos filósofos de ofício, são os jargões da “mãe de
todas as ciências”. Não vejo a menor necessidade da sua criação e uso. O
desafio magno dos especialistas da matéria é o de expressarem suas conclusões
de maneira absolutamente inteligível, de sorte que todos, sem exceção, as
entendam. Tive, por exemplo, imensa dificuldade de entender conceitos
filosóficos que nem são tão complicados só por causa da profusão desses termos
que, insisto, são prescindíveis.
Quando levanto essa questão com meus amigos filósofos, ouço,
invariavelmente, deles, explicações a respeito que, a meu ver, nada explicam.
Entendo que as grandes verdades da vida são simples e diretas. Não precisam de
palavreado pomposo, restrito, esotérico até, para serem entendidas e
expressadas. Se precisarem... são passivas de contestação. Não são, portanto, “verdades”,
mesmo que tenham essa aparência. Por paradoxal que pareça, ser simples é sumamente
complicado. É uma arte. Poucos, pouquíssimos conseguem a façanha de expor as
grandes idéias com absoluta clareza e concisão. Ou seja, com simplicidade.
Um dos métodos filosóficos para apurar as verdades da vida
que mais aprecio é o atribuído ao filósofo grego Sócrates. Ele pode ser
dividido em duas partes. Na primeira, leva-se o interlocutor a duvidar do que “sabe”
(ou pensa que sabe) sobre determinado assunto. Dessa forma, faz-se com que ele
identifique as contradições de sua atual forma de pensar, baseadas, quase
sempre, em valores e preconceitos sociais postos como dogmas. Em uma segunda
etapa, leva-se o tal interlocutor a conhecer novos conceitos e a formar novas
opiniões sobre o assunto em pauta a que chegue por si só, por pura dedução. Ou
seja, ele é estimulado a pensar por si mesmo, e não mais com a “cabeça alheia”,
como usualmente fazia. E tudo isso é feito mediante série de perguntas
estratégicas, precisas, exatas, sem nenhuma espécie de ambiguidade. Gosto
particularmente desse método porque ele me é familiar. Utilizo-o amiúde em
minha profissão, o jornalismo, para chegar à verdade e depois levá-la ao
conhecimento dos meus leitores. Esse processo foi batizado pelos filósofos de “maiêutica
socrática”. Não seria, todavia, mais lógico nomeá-lo de “arte de perguntar”,
que é o que ele de fato é? Pra que o jargão? Só para complicar e dar ares esotéricos
para algo que é na essência muito simples? Ora, ora, ora...
Trazendo este tema, aparentemente tão complexo, para o campo
que me é mais familiar, o da Literatura, dei de cara com este poema de Cecília
Meirelles, num de seus tantos livros, que partilho com vocês, intitulado “Pergunto-te
onde se acha a minha vida” que, mais do que poesia, é filosofia pura. É a maiêutica
socrática aplicada, em forma de texto literário. Confiram:
“Pergunto-te onde se acha a minha vida?
Em que dia fui eu?. Que hora existiu
formada
de uma verdade minha bem possuída?
Vão-se as minhas perguntas aos
depósitos do nada.
E a quem é que pergunto? Em quem penso,
iludida
por esperanças hereditárias? E de cada
pergunta minha vai nascendo a sombra
imensa
que envolve a posição dos olhos de quem
pensa.
Já não sei mais a diferença
de ti, de mim, da coisa perguntada,
do silêncio da coisa irrespondida.
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Poema tão profundo e complexo que me tira todas as certezas. Fiquei nua delas.
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