terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Voz do atrevimento


A palavra “atrevimento” (como tantas outras expressões, em qualquer idioma) tem dupla conotação: uma positiva e outra negativa. Geralmente consideramos atrevida a pessoa desconhecida que nos dirige a palavra de forma abrupta, agressiva, senão brutal. Ou a, que sem mais e nem menos, ocupa o lugar que era nosso numa fila qualquer. Ou a que dá uma cantada numa mulher bonita que, visivelmente, “não é para o seu bico” e que não lhe deu, dá ou dará a mínima confiança.

Há, é claro, muitas e muitas outras acepções negativas do termo que nem é preciso mencionar, pois todos as conhecem, de sobejo.. Mas o atrevido, também, é o indivíduo que realiza o que ninguém conseguiu ainda realizar e que tinha toda a aparência de irrealizável.

É o que desafia as circunstâncias e faz coisas admiráveis. É o que encara a vida com coragem e ousa ir contra a corrente, impondo, com argumentos,  idéias e convicções, mas com consciência e certeza do que faz, e se dá bem. Para o escritor Henry Miller, “imaginação é a voz do atrevimento”. Esse é o atrevimento que me fascina e me mobiliza. Ou seja, o de imaginar alguma coisa que à primeira vista pareça irrealizável, ousar e tentar concretizar o que foi imaginado, e mesmo que não tiver sucesso, gozar da deliciosa sensação de ao menos haver tentado.

A realidade, nua e crua, é fria, é feia, é insuportável. A vida – sempre convém reiterar, já que muitos parecem se esquecer disso – não tem reprises. E é muito bom que não tenha mesmo. Seu maior encanto é justamente este, o da novidade, mesmo que às vezes o “novo” nos traga surpresas desagradáveis, não raro trágicas até. O consolo, porém, é que no momento seguinte pode consertar tudo e nos proporcionar alguma alegria que sequer desconfiávamos que fosse possível. Por isso, atrever-se é preciso. Sempre!

A propósito de hipotéticos (e impossíveis) recomeços, a escritora Júlia Lopes de Almeida faz a seguinte constatação, no “Livro das donas e donzelas” (pouco conhecido, mas que deveria ser lido, sobretudo pelas mulheres): “O que torna a vida encantadora é o imprevisto, e a prova é que ninguém desejaria recomeçá-la da mesma forma porque já a viveu, nem creio mesmo que, se tal milagre se pudesse cumprir, houvesse alguém, por mais venturosa que lhe houvesse corrido a curta vida, que tivesse coragem de a recomeçar”.

Honestamente, eu não a teria. Muitos até afirmam, ousadamente (ou seria impulsiva temerariamente?), que gostariam dessa reprise. Mas são palavras soltas ao vento, sem nenhuma reflexão ou fundamentação, ao sabor do momento. Quando refletem, essas pessoas concluem que o que viveram não foi sequer tão bom assim e muito menos o ideal.

Optam por desejar – reitero, se fosse possível recomeçar a vida – não só por um início diferente, mas também por um meio e fim diferentes, bastante diversos daqueles pelos quais já passaram. Júlia prossegue, em suas considerações: “Corra alguém os olhos, pense, siga o curso da sua existência, e ficará convencido de que só alguns dias lhe mereceram o desejo de serem revividos. Dias? Nada mais que momentos, de inolvidável doçura”.

Valeria a pena, pois, passar, novamente, pelos mesmíssimos dramas, dores, incertezas e aflições pelos quais já passamos, apenas para reviver escassos, pouquíssimos, raros e fugazes momentos de felicidade? Creio que nem mesmo o mais masoquista dos masoquistas gostaria de reviver tudo isso.

Ademais, é possível que no segundo seguinte esteja o tosão de ouro, o Santo Graal, o cálice sagrado da felicidade, que tanto procuramos e que raros encontram algum dia. É verdade que pode estar, também, a morte. Mas isso não há como evitar. Será sempre, sempre um dos tantos riscos que teremos que correr.

Ouçamos, pois, a voz do atrevimento, que algumas vezes não passa de quase inaudível sussurro, mas que em outras é um grito, um brado, um berro a nos desafiar. Não nos acovardemos nos refugiando na comodidade da omissão. Sejamos ousados, posto com a necessária prudência, e criemos as oportunidades que precisamos, caso elas não surjam espontaneamente, como cavalos selados, à espera, apenas, de serem montados.

Sejamos atrevidos, sim, face às circunstâncias, favoráveis ou negativas, não importa. No primeiro caso, para elevarmos ao máximo grau as satisfações que venhamos a conquistar. No segundo, para pelo menos tentar reverter o que pareça (e talvez de fato seja) irreversível. Ousemos sonhar, cada vez mais, cada vez mais alto, cada vez mais intensamente. Ousemos encarar o que outros já encararam, e fracassaram. Ousemos, acima de tudo, dar asas velozes e fortes à imaginação, essa voz alentadora do atrevimento (do saudável e construtivo, convém sempre destacar).

Boa leitura!

O Editor.

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Um comentário:

  1. O atrevimento aqui se mostra como uma saudável ousadia, desde que dentro de alguns padrões de segurança.

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