“O
tempo rodou num instante, nas voltas do meu coração” (Chico Buarque)
* Por
Mara Narciso
As cinco horas e meia
junto com as meninas foram como um sopro. A festa ainda continuou. Saí
eufórica, na dúvida entre ficar e partir, mas era preciso deixar a emoção se
desfazer. Até a felicidade precisa descansar, mas, em stand by, foi difícil
dormir. A luzinha permaneceu acesa.
A tecnologia traz
sentimentos amplificados. Desde que se popularizou a internet, este foi o meu
terceiro encontro com o passado distante 36, 38 e agora 45 anos. Havíamos sido
colegas no Colégio Imaculada Conceição, o CIC de Montes Claros. Convivemos numa
idade chave para se fazer amizades duradouras. Tínhamos 10 ou 11 anos, e
ficamos juntas até os 14, 15 anos, e outras até os 18 anos. Havia etapas no
tempo escolar, os chamados ginásio e normal/científico. Era comum, ao fim
dessas fases, se mudar de colégio. Então vinha uma chave chamada vestibular e
depois a faculdade.
Havia a fama de que as
meninas mais bonitas e ricas de cidade estudavam no Colégio Imaculada. Os
rapazes se aglomeravam na porta da escola para ver as “meninas de casar”. As
alunas eram jovens cujos pais buscavam ensinamentos religiosos, morais, éticos,
e uma boa formação geral. Tivemos a oportunidade de conviver com a mais fina
juventude e isso moldou nosso futuro comportamento. Dali saíram mulheres para
brilhar em diversas profissões e em alguns aspectos vencer barreiras, devido ao
estilo repressor da escola.
No dia sete de
setembro a arquiteta decoradora Lucília Teixeira criou o grupo “Meninas do CIC”
no WhatsApp. Logo seríamos 43 colegas resgatadas pela dispersão instantânea de
informações. Esta prodigiosa ferramenta fez tudo acontecer em 27 dias.
Começamos a montagem da colcha de retalhos de forma acelerada, cada qual
querendo contribuir com uma lembrança, uma foto, um fato, uma piada. As mais
tagarelas lotavam a caixa dos celulares e em duas horas havia mais de 300
mensagens. Umas poucas são aposentadas, a maioria trabalha, e não encontra
tempo de ler, apenas, curiosamente, espia. Primeiro as personagens mostraram
fotos de hoje, com seus filhos e maridos. Algumas de nós são divorciadas,
outras viúvas. Nem todas se casaram e tiveram filhos. Falamos de nós mesmas e
do orgulho de ter rebentos lindos e inteligentes, além dos amores vividos e dos
netos chegando. A curiosidade era o motor maior, seguida pela saudade que,
aflorada, se ampliou. Comparações são inevitáveis, e vemos que umas tiveram
vidas mais emocionantes do que outras.
Ávidas por acrescentar
peças no quebra-cabeças, cuidadosamente puxamos lá de trás aquele detalhe
esquecido. Histórias da sala de aulas, professores, características marcantes
de colegas, provas, trabalhos, danças, dramatizações foram voltando com vigor.
Com a colaboração de cada memória, foi-se moldando um tempo que foi bom em
muitos aspectos, que foi ruim em outros, mas tudo necessário para sermos o que
somos hoje.
Poucas moram em Belo
Horizonte. Uma semana após a criação do grupo aconteceu na capital um encontro.
No momento em que acontecia foram postados fotos e vídeos, num clima de festa
colegial, o que motivou o grupo a querer se encontrar logo.
No dia 3 de outubro o
encontro se deu na casa de Lucília. Para algumas tinham se passado 45 anos sem
ver ou ser vista. Reunimo-nos 27 ex-colegas em torno de alegria e saudade. Foi
bom abraçar o passado com vigor, olhar para aquelas ex-colegas joviais, cheias
de vibração pelo encontro e lotadas de energia vinda dos sonhos realizados. Tal
disposição que foi, pouco a pouco, num efeito dominó, contagiando a todas. A
voltagem do encontro daria para iluminar uma pequena cidade por um mês. Tanto
foi assim, que depois das quatro da manhã ainda eram postadas fotos.
Olhar um rosto perdido
na memória, buscar na mulher a menina, revolver a poeira e buscar lembranças
boas (que as ruins servem para dar coragem), foi exercício para novas conexões
cerebrais. Ali, se operaram milagres, enquanto falávamos e ouvíamos com
interesse. Algo perdido no baú voltou nos álbuns de quinze anos e nas fotos das
festas de formatura, colocados sobre a mesa.
Houve o tempo de
descobertas e localização, o momento de comer e beber e o período das risadas
escandalosas que se ampliaram depois de umas poucas taças de vinho. Também
aconteceram reflexão e agradecimento. Ainda que, em algum momento, tenhamos
deixado o passado partir, não houve medo de vê-lo cara a cara, o que nos trouxe
vitalidade. Mulheres completas, revigoradas pelo encontro, com ares joviais,
constatamos que somos o que já fomos, mais as nossas experiências. Listando
fatos marcantes colocamos vestibular, casamento, nascimento de filho, formatura
ou um encontro com o passado. Depois de uma ebulição dessas, deita-se, mas,
quem dorme?
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
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