quarta-feira, 7 de outubro de 2015

“O tempo rodou num instante, nas voltas do meu coração” (Chico Buarque)

* Por Mara Narciso


As cinco horas e meia junto com as meninas foram como um sopro. A festa ainda continuou. Saí eufórica, na dúvida entre ficar e partir, mas era preciso deixar a emoção se desfazer. Até a felicidade precisa descansar, mas, em stand by, foi difícil dormir. A luzinha permaneceu acesa.

A tecnologia traz sentimentos amplificados. Desde que se popularizou a internet, este foi o meu terceiro encontro com o passado distante 36, 38 e agora 45 anos. Havíamos sido colegas no Colégio Imaculada Conceição, o CIC de Montes Claros. Convivemos numa idade chave para se fazer amizades duradouras. Tínhamos 10 ou 11 anos, e ficamos juntas até os 14, 15 anos, e outras até os 18 anos. Havia etapas no tempo escolar, os chamados ginásio e normal/científico. Era comum, ao fim dessas fases, se mudar de colégio. Então vinha uma chave chamada vestibular e depois a faculdade.

Havia a fama de que as meninas mais bonitas e ricas de cidade estudavam no Colégio Imaculada. Os rapazes se aglomeravam na porta da escola para ver as “meninas de casar”. As alunas eram jovens cujos pais buscavam ensinamentos religiosos, morais, éticos, e uma boa formação geral. Tivemos a oportunidade de conviver com a mais fina juventude e isso moldou nosso futuro comportamento. Dali saíram mulheres para brilhar em diversas profissões e em alguns aspectos vencer barreiras, devido ao estilo repressor da escola.

No dia sete de setembro a arquiteta decoradora Lucília Teixeira criou o grupo “Meninas do CIC” no WhatsApp. Logo seríamos 43 colegas resgatadas pela dispersão instantânea de informações. Esta prodigiosa ferramenta fez tudo acontecer em 27 dias. Começamos a montagem da colcha de retalhos de forma acelerada, cada qual querendo contribuir com uma lembrança, uma foto, um fato, uma piada. As mais tagarelas lotavam a caixa dos celulares e em duas horas havia mais de 300 mensagens. Umas poucas são aposentadas, a maioria trabalha, e não encontra tempo de ler, apenas, curiosamente, espia. Primeiro as personagens mostraram fotos de hoje, com seus filhos e maridos. Algumas de nós são divorciadas, outras viúvas. Nem todas se casaram e tiveram filhos. Falamos de nós mesmas e do orgulho de ter rebentos lindos e inteligentes, além dos amores vividos e dos netos chegando. A curiosidade era o motor maior, seguida pela saudade que, aflorada, se ampliou. Comparações são inevitáveis, e vemos que umas tiveram vidas mais emocionantes do que outras.

Ávidas por acrescentar peças no quebra-cabeças, cuidadosamente puxamos lá de trás aquele detalhe esquecido. Histórias da sala de aulas, professores, características marcantes de colegas, provas, trabalhos, danças, dramatizações foram voltando com vigor. Com a colaboração de cada memória, foi-se moldando um tempo que foi bom em muitos aspectos, que foi ruim em outros, mas tudo necessário para sermos o que somos hoje.

Poucas moram em Belo Horizonte. Uma semana após a criação do grupo aconteceu na capital um encontro. No momento em que acontecia foram postados fotos e vídeos, num clima de festa colegial, o que motivou o grupo a querer se encontrar logo.

No dia 3 de outubro o encontro se deu na casa de Lucília. Para algumas tinham se passado 45 anos sem ver ou ser vista. Reunimo-nos 27 ex-colegas em torno de alegria e saudade. Foi bom abraçar o passado com vigor, olhar para aquelas ex-colegas joviais, cheias de vibração pelo encontro e lotadas de energia vinda dos sonhos realizados. Tal disposição que foi, pouco a pouco, num efeito dominó, contagiando a todas. A voltagem do encontro daria para iluminar uma pequena cidade por um mês. Tanto foi assim, que depois das quatro da manhã ainda eram postadas fotos.

Olhar um rosto perdido na memória, buscar na mulher a menina, revolver a poeira e buscar lembranças boas (que as ruins servem para dar coragem), foi exercício para novas conexões cerebrais. Ali, se operaram milagres, enquanto falávamos e ouvíamos com interesse. Algo perdido no baú voltou nos álbuns de quinze anos e nas fotos das festas de formatura, colocados sobre a mesa.

Houve o tempo de descobertas e localização, o momento de comer e beber e o período das risadas escandalosas que se ampliaram depois de umas poucas taças de vinho. Também aconteceram reflexão e agradecimento. Ainda que, em algum momento, tenhamos deixado o passado partir, não houve medo de vê-lo cara a cara, o que nos trouxe vitalidade. Mulheres completas, revigoradas pelo encontro, com ares joviais, constatamos que somos o que já fomos, mais as nossas experiências. Listando fatos marcantes colocamos vestibular, casamento, nascimento de filho, formatura ou um encontro com o passado. Depois de uma ebulição dessas, deita-se, mas, quem dorme?

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   


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