Ainda meu primeiro dia de internato
* Por
Adair Dittrich
Por que sair de minha
pequena e aconchegante vila, deixar minha família, o calor de meu lar, para,
ainda criança, jogar-me na aventura de uma vida vivida nas vinte e quatro horas
de um dia sob um estranho teto, circunscrita às quatro paredes do internato de
um colégio cinzento?
É uma pergunta que me
faço muitas vezes. O que me levou a optar por continuar estudando? Querer
seguir o caminho dos irmãos mais velhos? Porque uma lembrança muito certa e coerente
eu tenho. Não fui empurrada para o colégio. Nunca me obrigaram a seguir aquele
caminho. Era o ciclo natural das coisas. Em nossa pequena escola de Marcílio
Dias os estudos terminavam, naquela época, apenas no terceiro ano primário.
Então lá fui eu para o
internato pelas mãos de minha mãe. Que me acompanhou em toda a rotina daquela
primeira tarde, daquele meu primeiro dia. Que arrumou com todo o desvelo e
carinho o enxoval da menina em seus devidos lugares. Mas, Madre Albertina, a
superiora e Irmã Maristella, uma das supervisoras das internas, delicadamente,
já foram alertando que quem deveria arrumar suas coisas seria a própria aluna.
E de lá do alto do
dormitório voltamos ao ponto inicial, à porta de entrada, ao pequeno saguão de
recepção onde minha mãe me abraçou, me beijou, desceu as escadarias de madeira
e saiu pela tarde ensolarada, rua afora, rumo à estação ferroviária a fim de
tomar o trem que a levaria de volta para Marcílio Dias onde a rotina da azáfama
diária a esperava no Restaurante.
Foi só quando as
portas se fecharam que eu percebi a realidade de um outro mundo a se abrir a
minha frente. Voltamos sobre nossos passos. Fomos até a sala de estudos onde
algumas guloseimas que minha mãe trouxera para mim foram devida e sumariamente
guardadas em um armário especial. E que seriam entregues, pela Mestra
responsável pelo internato, nos dias subsequentes, em doses homeopáticas.
Não havia em que
pensar. Curiosidade transpirando à flor da pele na espera angustiosa de um
recreio que só viria após o jantar. Um recreio onde eu iria conhecer as demais
meninas que, no decorrer de toda aquela tarde, entrando estavam naquele
colégio, através da mesma grande porta, atravessando o mesmo imenso corredor
com ladrilhos em xadrez preto e branco e chegando naquela mesma sala de
estudos.
Logo bate o sino das
cinco horas da tarde. Mas ele não nos chamava para o chá. Chamava-nos para o
jantar e em silenciosa (!) fila fomos rumo ao refeitório, passando antes pela
aconchegante capela para a oração da Ave-Maria.
Ao jantar, a primeira
e difícil surpresa. Necessário era comer tudo. Em silêncio ainda. Não era
permitido deixar uma migalha sequer no prato. E o aroma e sabor em nada se
pareciam com aqueles com os quais eu estava acostumada há dez anos já.
Findo o jantar, rumo
ao pátio e à algazarra generalizada. Era chegada a hora do grande recreio.
Jogos na cancha de esportes, na cancha de voleibol, peteca e o que mais se
conseguisse inventar. Mas, o mais importante foi o esperado papo com as novas
colegas e novas amigas.
Às sete horas da noite
o sino nos convida para o recolhimento e para o grande silêncio grave. Primeiro
seguimos todas para a sala de estudos, onde, nessa primeira noite a própria
superiora, Madre Albertina, fez a sua primeira preleção às internas, praticamente
delineando todo um regimento do internato, que, à risca, deveria ser seguido.
E depois ainda um boa
noite às Irmãs que ali estavam seguido do sagrado pedido de “à bênção”, com
todo o ritual do beija-mão e em verdadeira procissão silenciosa subimos as
escadas rumo ao nosso cantinho no dormitório das pequenas para aquela primeira
noite e primeiros sonhos no internato do Instituto de Educação “Sagrado Coração
de Jesus” de Canoinhas.
* Médica
e escritora
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