A
despedida no Ano Novo
* Por
Gustavo do Carmo
Dez, nove, oito...
milhões de pessoas vestidas de branco faziam contagem regressiva para o ano
novo na praia de Copacabana. Quadras
antes da orla, os aparelhos médicos de monitoração bipavam ao ritmo dos últimos
segundos do ano velho.
Edith agonizava no
CTI. Tinha se jogado da janela do seu apartamento mal cuidado no décimo-primeiro
andar do prédio onde morava solitária na Vinícius de Moraes na noite de natal.
Foi socorrida lúcida. Pediu até um cigarro para os bombeiros que a socorreram.
Mas seu estado se agravou horas depois e ela foi transferida para o CTI. Tinha
sofrido múltiplas fraturas, principalmente no tórax e na cabeça.
Sete, seis, cinco... a
contagem regressiva era repetida na maioria dos lares da cidade. Algumas com as
luzes apagadas, mas iluminadas de forma intermitente pelos piscas das
decorações natalinas. O gráfico de
pulsação oscilava preguiçosamente.
O ex-marido, os dois
filhos e até a irmã de Edith estavam alheios à expectativa do ano novo. Faziam
planos para o futuro da ex-esposa, mãe e irmã caso se recuperasse. Antônio
estava procurando psicólogos para iniciar um tratamento contra o vício em jogo
de Edith. Os filhos, já adolescentes, voltariam a morar com a mãe. E Judite
estava decidida a perdoar a irmã.
Quatro, três, dois,
um... Feliz Ano Novo! Gritava a multidão na praia. As famílias estouravam
sidras, espumantes, prossecos e champanhes em seus apartamentos, casas,
barracos e iates. Os traficantes davam tiros para o alto com suas balas
traçantes.
As enfermeiras e
técnicas de enfermagem, vestidos de verde, se cumprimentavam moderadamente em
respeito aos pacientes. Uma equipe foi interrompida porque o aparelho monitor
do box de Edith no CTI trocara o bipe intermitente pelo apito contínuo.
Edith estava livre do
vício em jogos e aquele cigarro que pediu quando foi socorrida fora realmente o
último. Não precisaria fazer tratamento e nem força de vontade para largar o
vício em nicotina. Não resistiu aos ferimentos da queda do décimo-primeiro
andar.
Seu ex-marido, dois
filhos e irmã se abraçavam aos prantos, indiferentes às comemorações do novo
ano que começava naquele momento.
*
Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance
“Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea
“Indecisos - Entre outros contos”.
Seu blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por
leitores
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