quinta-feira, 9 de outubro de 2014

“Vargas, de São Borja a São Borja” disseca o final de uma era

* Por Mara Narciso

Amantes da Literatura, pessoas comuns, leitores, e escritores reúnem-se no Clube de Leitura Ateliê Galeria Felicidade Patrocínio. A escritora e presidente da Academia Montesclarense de Letras, Professora Yvonne Silveira apresenta Manoel Hygino dos Santos, autor do livro em pauta, “Vargas, de São Borja a São Borja”, de 2009. Filho de José Diamantino dos Santos e Tercília Simões dos Santos, a sua mãe era filha única e vizinha de Yvonne, quando esta era menina. Muita bonita, a moça ficava à janela e merece um poema em “Cantar de Amiga”, mencionando esta imagem. Afastaram-se por questões de mudança de cidade, e anos depois conheceu Manoel Hygino pelas crônicas nos jornais, e associou logo sobre de quem se tratava, pois tem o mesmo nome do avô. “É cronista, contista, ensaísta e articulista. Hoje, mais articulista. Narra fatos e fala sobre pessoas. Não é literato, escrevendo preferencialmente ensaios”, diz Yvonne. Didática, explica que memórias e ensaios são espécies periféricas de contos, novelas e romances. A palavra “ensaio” foi cunhada pelo escritor francês Michel de Montaigne, sendo um estudo que faz um apanhado geral. Para ela, Manoel Hygino, autor consagrado, analisa os acontecimentos com muita responsabilidade, sendo um ensaísta notável e o maior escritor de Montes Claros, único na Academia Mineira de Letras. Tem estilo claro e ameno, evitando excessos. Sente-se ligada ao autor pelo tempo e pela amizade.

O escritor, jurista e político Petrônio Braz, palestrante da noite, diz que “Manoel Hygino é um escritor montes-clarense de alta representação. A Era Vargas deixou o enigma da sua morte, e o livro de Manoel Hygino mostra revelações fantásticas. Os fatos são os fatos e o tempo não volta para definir falhas e redefinir valores. Getúlio Vargas era gaúcho dos Pampas, com vigor moral e físico insuperável”. De acordo com o autor, Getúlio foi deputado estadual, deputado federal, Ministro da Fazenda e Presidente da República durante 19 anos. Não era militar, mas com uniforme de coronel, entra com o Exército do Rio Grande do Sul no Rio de Janeiro, a Capital Federal. Segundo Petrônio Braz, Manoel Hygino usa em seu livro uma linguagem jornalística, a qual tem de ser imparcial, e faz isso de uma forma culta e sem arrogância literária. Procura desvendar os fatos e relatá-los de acordo com a História, criando empatia com o leitor. Usa uma boa narrativa, expondo como os fatos aconteceram. Escreve inicialmente como se o leitor conhecesse os acontecimentos, recorre ao recurso não cronológico, indo ao fim e depois ao princípio, e novamente chega ao meio, em 1945. Posteriormente estabelece a cronologia, foca seu trabalho no período de 1950 a 1954, deixando de lado os 15 anos anteriores. “Há universalidade na obra, pois busca todos os leitores, com clareza do contexto geral, sem individualizações”, comenta o palestrante.

Petrônio Braz contextualiza os fatos, e com um datashow, chama a plateia para conhecer Getúlio Vargas em 1930, ocasião em que o Brasil sofre uma efervescência. Tinha sido uma República Militar até 1915, e depois República Civil, iniciando-se a República Café com Leite, em que se revezavam presidentes mineiros e paulistas. Em 1930 Júlio Prestes quer que o próximo presidente seja novamente de São Paulo, e chega a ser eleito, mas não toma posse, pois Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba se revoltam. “Getúlio Vargas toma o poder pela força, porém, com ares de democracia”, conta Petrônio. Em 1934 os deputados são eleitos para a constituinte. Em 1937, há ideologias efervescentes na Europa, com o Nazismo de Adolf Hitler na Alemanha e o Fascismo de Benito Mussolini na Itália. A China derruba o imperialismo, a Rússia é comunista, a África como colônia reflete os acontecimentos do Velho Continente, e uma nova constituição é feita no Brasil. Getúlio Vargas adéqua a si e às suas intenções as leis do país. O mundo se divide em duas metades, uma comunista e outra capitalista.

Petrônio Braz informa que Luiz Carlos Prestes quer implantar o comunismo no Brasil. Surge o Integralismo de Plínio Salgado, que era uma cópia do fascismo italiano e tem a intenção de levar o Brasil a integrá-lo. Getúlio Vargas fica entre duas espadas: o comunismo e o integralismo. As Forças Armadas dão todas as condições para que Getúlio Vargas tome o poder, e o Estado Novo, em 1937, sepulta o Integralismo. Na Segunda Guerra Mundial, o presidente demora a tomar decisões. Em tempo de paz, cria-se no Brasil a busca pela liberdade, pois a guerra era por essa busca. O DIP, Departamento de Propaganda, tem opinião absoluta e controle sobre todos os meios de comunicação. Representantes do Governo estão nas redações impedindo qualquer palavra contra Getúlio.

Manoel Hygino deixa claro que Vargas era um chefe escondido. O palestrante afirma que poucos brasileiros o viram, mas todos o conheciam pelo DIP. Não sai por não precisar de votos e por temer represálias. A sua guarda pessoal é do Exército, mas o presidente cria uma guarda independente. O Rio Grande do Sul tem problemas de fronteira, por isso os gaúchos a garantem com uma milícia paramilitar. O tenente Gregório Fortunato, proveniente desta milícia, é o chefe da guarda pessoal, ainda que pouco tivesse frequentado à escola. Em 1938, o chamado Anjo Negro fica colado em Getúlio. Numa ocasião, durante um discurso, salta entre um homem armado e o presidente e leva um tiro. Somente depois de acabada a fala, procura o hospital.

Após 1945 acontece a busca pela democracia. Há interesse por um governo democrático, mas sem tirar Getúlio. O General Dutra, que foi senador, pensa no retorno do militarismo, pois não há um civil à altura do cargo. O brigadeiro Eduardo Gomes, em 1950, manifesta desejo pela presidência. Fora do Governo, o povo quer o retorno de Getúlio Vargas, o que configura o “queremismo”. Nas urnas, Vargas, do PTB, embora um partido fraco, derrota a UDN e o PSD. Ganha o apoio do povo e perde o apoio das Forças Armadas, mas o restabelecimento da democracia dá-lhe forças. Todos estão contra ele, sendo Carlos Lacerda, um grande orador, o chefe dos contrários.

A Aeronáutica apoia Carlos Lacerda e teme por sua vida. Põe o major Vaz para ser seu guarda-costas, e caso morresse, traria convulsão para o poder. Getúlio não dá entrevistas. Apenas o DIP fala por ele. Certa vez recebe o jornalista Joel Silveira e conversam amenidades. A certa altura, Joel inicia a entrevista, mas Getúlio sai batendo a porta, o que é para o repórter “uma chicotada”.

O “mar de lama” foi comprovado quando Gregório Fortunato, o chefe da guarda pessoal, decide matar Carlos Lacerda e o major Vaz morre em seu lugar. Há tiroteio na Rua Toneleros. “O autor Manoel Hygino traz provas de que Lacerda entrou andando no hospital, depois de ter levado um tiro de calibre 45 no pé. Tal bala despedaçaria seu pé, impossibilitando-o de caminhar” diz Petrônio Braz. A Aeronáutica manda ofuscar o episódio do tiro no adversário, e ficar com a morte do major Vaz. Armando Falcão afirma que Lacerda, míope e sem óculos, pensa ter matado o major. A Aeronáutica quer a cabeça de Getúlio, e condena Fortunato e sua guarda. Caso a verdade venha à tona, muda a História do Brasil.

O presidente em agonia é aconselhado a ir para São Paulo ou Rio Grande do Sul, enquanto se faz as investigações. O gaúcho não aceita e afirma que só sairá morto do Palácio do Catete. O palestrante Petrônio Braz, então prefeito da cidade de São Francisco, aos 25 anos, chega ao aeroporto da Pampulha para recepcionar Getúlio Vargas em sua derradeira viagem. Uma semana antes de morrer, Vargas está em Belo Horizonte, para inaugurar a Mannesman. A guarda de honra é da Aeronáutica, e o ambiente é horrível, pesado, hostil. Getúlio Vargas está à porta do avião, e em volta um silêncio absoluto. Espera-se um tiro para matá-lo. O clima só fica mais leve quando chega Juscelino Kubitscheck, governador do estado. Petrônio Braz tem a oportunidade de apertar a mão do presidente, que faz um discurso amargurado.

No dia 24 de agosto de 1954 há um princípio de revolução e o Brasil para. Não aceitando o conselho de se licenciar, Getúlio Vargas se suicida com um tiro no peito. Um ato heróico? É a maior convulsão já acontecida no Brasil, e o povo inteiro vai às ruas. “Saio da vida para entrar na História”, diz o presidente em sua carta testamento. “Getúlio Vargas foi um homem honesto, que não cometeu falhas, mas sua família sim. O palácio estava cheio de corrupção. Manoel Hygino Santos foi soberbo em mostrar isso”, finaliza Petrônio Braz.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



2 comentários:

  1. Seu Gegê talvez seja a mais polêmica e misteriosa figura da política brasileira. Um assunto e tanto, que renderia vários textos - tão bons quanto este. Abraços.

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  2. Como eu disse ao autor, após terminar de ler o livro, eu fiquei com uma imagem totalmente diferente da que tinha do personagem, porém não diria achá-lo simpático. A imagem de Olga Benário grávida, sendo encaminhada aos fornos (teve a filha antes), ficou para sempre em minha memória. Obrigada, Marcelo.

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