O chulé nosso de cada dia
* Por
Marcelo Sguassábia
O chulé anda escasso, e
não é de hoje. A culpa não é do governo, nem da sociedade organizada, nem dos
anões inadimplentes e muito menos dos ambientalistas. Estes últimos, inclusive,
há tempos vêm alertando que, se nada for feito, tudo o que nos restará será o
mortal oxigênio. Alguns são mais pessimistas e dão o jogo por perdido,
afirmando que agora é tarde e já não há mais nada a fazer, a não ser
esperarmos, conformados, a morte por sufocamento.
Os bancos de chulé,
quem diria, estão exalando lavanda, com a triste falta de doadores. É
desanimador, mas compreensível. Quem, em sã consciência, vai renunciar a uma
cafungada profunda na meia podre para doá-la a quem mais necessita? Ainda mais
sabendo que a chance de ver o próprio elixir fedorento sendo desviado para
contrabando é sempre muito grande...
Junto com o
contrabando, seu irmão mais perigoso: o tráfico. Mais do que o crack, o ecstasy
e a coca juntos, o estrago causado pelas quadrilhas de chulé é apavorante. Se
até há poucos anos era comum encontrarmos, em toda família de classe média,
pelo menos uns três chulezentos em plena e farta produção, hoje a realidade é
bem outra. A falta do insumo faz surgir carradas de fornecedores vindos de
miseráveis favelas, que não hesitam em matar ou morrer para para manter girando
a bilionária indústria da contravenção.
O desabastecimento, na
entressafra de inverno, veio complicar ainda mais a situação. Evidente que a
produção de chulé cai junto com a temperatura, e essa constatação levou as
autoridades a criarem a Funghi Run 20K – Grande Caminhada pela volta do Chulé.
Mais de 44.326 pessoas participaram do evento, em desabalada carreira sob sol
abrasador, num esforço sobre-humano para a geração de quantidades colossais de
chulé de qualidade. Concluída a prova, os participantes arremessaram seus tênis
e meias usados numa grande caçamba, próxima ao pódio. Entretanto, a quantidade
de chulé coletada foi inexpressiva – justamente por conta do clima ameno
demais.
A verdade é que
caminhamos a passos largos para o racionamento, a menos que as pesquisas em
andamento sobre o enxerto de glândulas sudoríparas nos pés traga resultados
animadores em curtíssimo prazo. Confirmada essa perspectiva otimista, o projeto
do governo é implementar algo parecido com os mutirões da catarata, onde são
realizadas cirurgias em massa nos grandes centros urbanos.
Paralelamente, temos de
reconhecer que a polícia tem feito sua parte. Na terça-feira última, desbaratou
uma gangue de larápios que vinha aplicando o velho e manjado golpe do velório.
Em choro fingido, os delinquentes iam percorrendo sucessivos velórios para
afanar as meias dos defuntos. E ali mesmo, no local do crime, consumiam
vorazmente o chulé do finado.
Cães farejadores também
têm sido adestrados para rastrearem chulé em expedições de busca, com
resultados satisfatórios. O que não isenta a polícia de alarmes falsos como o
ocorrido ontem, quando uma matilha de pastores alemães confundiu o que seria um
grande depósito clandestino de chulé com uma fábrica de queijo gorgonzola.
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Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
Curiosa comparação de chulé com queijo gorgonzola, Marcelo. Houve um tempo em que Jorge Amado comparava outra parte do corpo com bacalhau. Quanto ao motivo de haver chulé, é a falta de higiene e proliferação de bactérias. Em meu trabalho, no qual peço às pessoas que dispam seus pés, ainda me deparo com quantidades colossais de mau-cheiro nos pés. Caso de polícia.
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