Carta aberta de uma nortista para os sulistas
* Por
Fabiana Agra
Meus irmãos sulistas –
sim, queiram vocês ou não, somos irmãos, somos filhos de uma nação chamada
Brasil, que vem sendo construída há 514 anos – como nortista de nascimento e
por convicção, sinto-me obrigada a escrever para vocês após os últimos
acontecimentos, em que vimos reacender a mais vil xenofobia endereçada a nós,
do Norte e do Nordeste, devido os resultados do primeiro turno das Eleições
2014.
Em primeiro lugar, meus
irmãos, não somos nem melhores nem piores do que vocês, somos fruto de um país
continental, cheio de diferenças e de contrastes e que, por circunstâncias
históricas, nós daqui de cima fomos explorados através de uma colonização vil e
de uma política perversa, que retiraram o melhor de nós, que foi usufruído por
vocês; sem contar que houve uma imigração planejada para os estados do Sul e
Sudeste, onde vocês tiveram a oportunidade de desenvolver-se de uma forma bem
mais organizada.
Sim, nós daqui de cima
já passamos fome, já fomos muito ignorantes, uma massa de milhões de
analfabetos, que vivia das esmolas que os governos anteriores vez por outra
mandavam, governantes esses que nunca se importaram em preparar o nosso povo
para conviver com as intempéries do clima e nem de diminuir o abismo social em
que vivíamos.
Somente após 2002, meus
irmãos, é que esse quadro começou a mudar e, hoje em dia, o Norte/Nordeste é
também uma terra de amplas possibilidades: seu povo está melhorando de vida, a
educação chegou através de dezenas ou até mesmo de centenas de estabelecimentos
educacionais federais, obras estruturantes estão sendo erguidas e, se os bons
ventos continuarem favoráveis para nós, a geração nascida neste novo século
estará em pé de igualdade econômica com vocês, que tiveram a “sorte” de receber
a maior fatia do bolo até bem pouco tempo atrás.
Meus amigos sulistas,
sinceramente eu não entendo o porquê de tanto ódio direcionado a nós. Eu nasci
e cresci ouvindo dizer que o Brasil era a terra da gentileza, uma nação de povo
amigo e hospitaleiro – quer dizer que tal máxima só se aplica para os gringos
que aqui chegam para usufruírem das nossas belezas naturais, do nosso clima e,
muitos deles, das nossas mulheres e crianças? Quer dizer que vocês se
consideram uma “gente diferenciada” e se acham no direito de tratarem a nós,
daqui de cima, como uma “sub-raça”? Eu gostaria muito de ter esses meus
questionamentos respondidos de forma coerente.
Outra coisa: vocês
estão alardeando, do Oiapoque ao Chuí, que nós, do Norte/Nordeste, não sabemos
votar. Ah, é? E o que vocês me dizem da votação esmagadora recebida por
Tiririca, Bolsonaro, Feliciano, Coronel Telhada e Delegado Olim? Como vocês
explicam esses votos tão conscientes e inteligentes? Quem não sabe mesmo votar,
hein? Nós daqui, votamos majoritariamente em Dilma porque somente a partir dos
governos de Lula e Dilma a classe mais pobre desse imenso Brasil saiu da linha
da miséria, são mais de 40 milhões de pessoas que hoje em dia tem a mesa farta,
roupas compradas com o seu próprio dinheiro, e milhares de pessoas que estão
tendo a oportunidade de estudar, de viajar, de trocar experiências… Eu votei e
votarei em Dilma, meus amigos sulistas, porque, entre outros avanços, o Brasil
não é mais devedor do FMI – pelo contrário, nosso país agora empresta dinheiro
-, e caso vocês ainda não saibam, o Brasil saiu do mapa da fome, algo que
somente 35 países do mundo foram capazes de realizar.
Pois é, meus irmãos. Eu
continuo sem entender o motivo de tanto ódio da parte de vocês – será o stress
dessa vida caótica? Pode ser. Então, para acabarmos de vez com essa coisa
horrível, chamada “cultura do ódio”, da minha parte eu perdoo as ofensas
gratuitas que recebi nos últimos dias e convido-os a nos visitar. Venham para
cá passar uns dias, garanto a vocês que serão muito bem recebidos! Venham para
cá que nós daqui faremos questão de mostrar para vocês o nosso lugar, a nossa
gente, a nossa gastronomia. Vocês irão perceber que o Norte/Nordeste é um lugar
repleto de encantos e com um povo que sempre foi receptivo – mas que, agora,
além de receber bem, também está tendo as mesmas oportunidades que vocês sempre
tiveram.
Mas caso vocês não
possam dar uma esticadinha até aqui, há outras formas de conhecer a nós,
nortistas: basta pegarem uma das milhares de obras escritas por um de nós;
vocês irão deliciar-se com os livros de Jorge Amado, Rachel de Queiros, Ariano
Suassuna, Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar… E se não
gostam muito de ler, que tal ouvir uma boa música daqui dessas bandas? Temos de
todos os estilos, de Zé Ramalho, Raul Seixas, Alceu, Djavan, Gil, Caetano,
Bethânia, Fagner, a Zeca Baleiro, Ivete, Pitty, Herbert Viana, Chico César,
Elba…
Finalmente, sem querer
aprofundar-me na política, creio que já justifiquei meu voto para vocês – apesar
de desnecessário, faço questão. Já vocês, meus irmãos, sintam-se à vontade para
elegerem quem vocês bem entenderem, o nome disso é democracia. Infelizmente, a
escolha de vocês, caso não seja a melhor, refletirá em todo o país que, até o
momento, está tomando um rumo certo e confiável.
Ah, ia esquecendo de
uma coisa: nós daqui temos a maior admiração pelos jumentos, animais
inteligentes e que desde o início da colonização, foram companhia de todos os
desbravadores dessa terra. Portanto, eu particularmente, não me sinto ofendida
em ser chamada de burra, de jumenta, de maneira alguma. Fiquem à vontade.
É isso, meus amigos do
Sudeste/Sul. A nossa bandeira é uma só, e o nosso pavilhão verde-e-amarelo não
pode agasalhar esse tipo de ódio pela sua própria gente nem por povo nenhum do
planeta! Vamos deixar de propagar essa raiva gratuita, que só faz diminuir
moral e eticamente quem a espalha. Vamos sim, ajudar a construir a grande nação
que merecemos! Quem se habilita?
*
Fabiana Agra é advogada, jornalista, escritora e paraibana com muito orgulho.
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