domingo, 12 de outubro de 2014

Balada


* Por Filinto de Almeida

A Rodolfo Amoedo

Por noite velha, no castelo,
Vasto solar de meus avós,
Foi que eu ouvi, num ritornelo,
Do pajem loiro a doce voz.
Corri à ogiva para vê-lo,
Vitrais de par em par abri,
E ao ver brilhar o meu cabelo
Ele sorriu-me, e eu lhe sorri.
Venceu-me logo um vivo anelo,
Queimou-me logo um fogo atroz;
E toda a longa noite velo,
Pensando em vê-lo e ouvi-lo a sós.
Triste, sentada no escabelo,
Só com a aurora adormeci...
Sonho... e no sonho, haveis de crê-lo?
Inda o meu pajem me sorri.
Seguindo a amá-lo, com desvelo,
Por noite velha um ano após,
Termina enfim o meu flagelo,
Felizes fomos ambos nós...
Como isto foi, nem sei dizê-lo!
No colo seu desfaleci...
E alta manhã, no seu murzelo,
O pajem foge... e inda sorri.
Dias depois, do pajem belo,
Junto ao solar onde eu o ouvi,
Ao golpe horrível do cutelo,
Rola a cabeça e inda sorri!...

(Cantos e cantigas, 1915.)


* Poeta, membro da Academia Brasileira de Letras

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