Sobre livros grossos
* Por
Urda Alice Klueger
À época da Segunda Guerra Mundial, o grande escritor alemão Stefan
Zweig, anti-fascista exilado no Brasil, apaixonou-se pelo nosso País, a ponto
de desejar morrer aqui. E morreu mesmo, num suicídio duplo dele a da sua
mulher, desgostoso com a cena internacional à que assistia. Só que, antes de
morrer, escreveu ele coisas lindíssimas sobre o Brasil.
Segundo Stefan Zweig, o brasileiro daquela época era um povo que gostava
de ler. Cita o famoso alemão como o povo brasileiro andava, quase sempre, de
livro, revista ou jornal na mão, a ler em praças, bondes e trens, atualizado
com as noticias, a discuti-las entre si – enfim, à época da Segunda Guerra
Mundial, tínhamos um povo vidrado numa leiturazinha a qualquer hora do dia ou
da noite.
Quer-me parecer que tais hábitos do brasileiro mudaram, e muito.
Acredito que foi a televisão que tirou da mão do brasileiro o jornal e a
revista, pois, ando bastante pelas ruas da minha cidade, e raríssimas vezes
vejo, hoje, um cidadão ou cidadã a se deleitar, em praça pública ou outro
lugar, com seu jornal preferido ou outro tipo de leitura. Estamos em tempos
mais dinâmicos, aonde os noticiários vêm prontinhos na tela da televisão, onde
vemos reportagens maravilhosas com imagens de cinegrafistas fantásticos – é
muito mais fácil assistir à televisão do que ler. E o hábito da leitura
testemunhado por Stefan Zweig vai se perdendo cada vez mais.
Eu sou uma escritora que ainda tem a felicidade de ter público. Tenho
leitores fiéis em muitos lugares, por todo o Estado de Santa Catarina e fora
dele e, às vezes, até fora do Brasil. Meus leitores são daqueles que procuram
minhas obras, que as lêem e as discutem, que até escrevem cartas para mim. Acho
que isto é uma felicidade, e nunca deixei de me sentir surpresa com a
receptividade que os meus livros encontram.
Pro meu lado, as coisas sempre foram de vento em popa... até que publiquei
um romance chamado “Cruzeiros do Sul”.
Eu ocupei três anos e meio da minha vida a pesquisar e a escrever
“Cruzeiros do Sul”. O livro é um grande painel sobre a formação do povo
catarinense, escrito em forma de romance, e tem todos os atrativos: capa
lindíssima, orelha bem feita, impressão primorosa, mas também tem uma coisa
assustadora: 480 páginas. Na dá para disfarçar, é um livro grosso, e depois que
ele saiu é que entendi que as pessoas têm medo de livros grossos.
Contadora de historias que sou, acho que a melhor história que já
escrevi foi “Cruzeiros do Sul” – a mais bem elaborada, a mais pesquisada, a
mais trabalhada. Infelizmente, as 480 páginas do livro afastam grande parte dos
meus leitores, assusta-os terrivelmente. Não digo que o livro não esteja sendo
lido: pessoas da maior finura intelectual tem-no feito, têm-se manifestado a
respeito, tenho ouvido boas críticas a granel – mas fica bem evidente que o
leitor de “Cruzeiros do Sul” é um leitor especial, um leitor com cultivo
intelectual, um leitor habituado à leitura, não importa a grossura do livro. O
leitor comum se afasta: ele quer coisas recreativas, que possam ser lidas
rapidamente, e por nada deste mundo vai se dar ao trabalho de ler uma coisa
monstruosa assim, com um total de 480 páginas.
Será que o leitor brasileiro dos tempos de Stefan Zweig era diferente?
Será que também temia o livro pela grossura? Creio que não. Naquela época, no
Brasil, era moda ler-se “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, e “O tempo e o
Vento” de Érico Veríssimo, entre outros. São livros grossos, que o brasileiro
lia e discutia. Quem, dentre os nossos leitores contemporâneos, não tem medo de
livros do tamanho de “Os Sertões”? Poucos, muito poucos, hoje, se atrevem a
livros de tal tamanho, não importa a riqueza que encerrem. Eu, pessoalmente,
convivo habitualmente com todo um grupo de jovens intelectuais que têm uma
atitude bastante desconfiada quanto a livros que pareçam muito grossos, mesmo
que sejam clássicos. Assim, sobram para livros como o meu “Cruzeiros do Sul” apenas
os leitores de grande preparo intelectual.
Que se vai fazer? Os tempos mudaram, e o homem passou a ser um ser que
vive com mais rapidez e já não tem tempo para livros grossos. O azar é dos
escritores que não sabem escrever menos páginas.
Blumenau, 17 de agosto de 1996.
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
Os livros de medicina são bastante grossos, e lido com eles desde 1974, fevereiro, quase 40 anos. Não temo livros grossos. Os finos, quando bons demais, levam a depressão quando terminam. Já os grossos dão alívio, quando se vê que o desafio foi vencido. Bom tema.
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