Acontecimentos culturais de todo dia
* Por Mara Narciso
A dinâmica dos
acontecimentos culturais segue uma tabela de interesse público e de mercado. É
claro que há vaidade em jogo, mas o estímulo a cultura é o que conta. Assim vão
desfilando eventos no noite a noite da cidade. Há dez dias aconteceu a
Exposição Memórias de Montes Claros, de Rogério Figueiredo, no Ateliê-Galeria
Felicidade Patrocínio. Não conhecia seu trabalho. As paisagens urbanas da
década de 60 são o forte da exposição. De repente estamos de volta ao passado,
uma época em que o autor não se lembra e nem deve ter vivido, até pela idade.
Nascido em Grão Mogol, pintou Montes Claros, e fez isso muito bem, a
partir de fotografias.
As pinceladas rasgadas e imagens
semidelineadas, estimulam a imaginação. Vi duas daquelas cenas com reservas:
uma lavadeira, em rio de Grão Mogol, devido às cabeças das crianças estarem
como se fossem decapitadas, boiando na água num efeito assombrado, e da rua Dr.
Santos, no mercado velho, que está com um declive que nunca existiu. Todos
gostaram e foi vendida de imediato. Mas quem sou eu para comentar perspectiva?
A obra com a qual eu me apaixonei foi uma da Rua Simeão Ribeiro, onde se via um
fusca verde e uma moça andando de bicicleta. Fez-me voltar ao passado, aos meus
sete anos, quando meu pai tinha uma loja de roupas, A Parisiense, justo no
ângulo captado pelo quadro. Também foi vendido e não sobrou para mim, que, pelo
local retratado e beleza chamou a minha atenção. Cheguei a voltar para vê-lo
mais vezes.
Então, na quarta-feira aconteceu a
inauguração da Biblioteca Simeão Ribeiro Pires. Ele foi engenheiro e prefeito
de Montes Claros. Era homem rico e culto, e bem depois da sua morte a família
doou para o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros sua biblioteca
particular com oito mil títulos. O escritor Wanderlino Arruda, eleito
presidente do Instituto Histórico, teve acesso às obras e falou que é um belo
acervo, com livros importantes e em bom estado de conservação. A Casa da
Cidadania, que é municipal, abriu espaço para a biblioteca. O prefeito Ruy
Muniz esteve presente e aproveitou o público de escritores para explicar ações
polêmicas do seu governo. Dona Yvonne Silveira, que neste mês completa 99 anos,
e é presidente da Academia Montesclarense de Letras, falou de pé e de
improviso, da importância dos livros doados e do local onde os mesmos estão,
próximos à população que deverá lê-los. Depois, boa parte dos presentes iria à
reinauguração do auditório do Centro Cultural Hermes de Paula, onde haveria uma
peça de teatro.
Na sexta-feira aconteceu o lançamento
do livro “Crônicas do Coração – Um Sopro de Saudade”, de Carmen Netto Vitória.
Ela é de Montes Claros, mas mora em Belo Horizonte. É sócia
correspondente da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico de Montes Claros. Seu livro é uma coletânea de crônicas publicadas
em jornal, e segundo o apresentador, Augusto Vieira, tem uma linguagem poética.
Está sobre a minha grande pilha de livros para ler, que vou derrubando de um
lado e acrescentando de outro. Espero nunca terminá-la. Depois dos discursos, o
público foi brindado com tira-gostos tipicamente montes-clarenses, como carne
de sol, mandioca frita na manteiga, paçoca de carne seca e pastel “pipoca”,
como dizem. Uma parte das pessoas saiu antes do término para ir ao concerto de
Artur Moreira Lima, com seu show itinerante, que já rodou todo o Brasil em dez
anos em um caminhão baú. Pena não ter podido ir, mas vi a matéria na TV. Na
primeira fila a nossa incansável Dona Yvonne Silveira. A imagem mostrou a
música clássica unindo gente de todas as classes e idades, numa completa
comunhão.
No outro sábado uma exposição de arte
coletiva e confraternização de fim-de-ano da Associação dos Artistas Plásticos
de Montes Claros, presidida pela artista plástica Conceição Melo. Tinha obras
de 20 artistas da cidade entre pintores e escultores. Foi na Casa de Cultura
Márcia Prates, com música ao vivo, e bom papo. Uma exposição coletiva é muito
instigante, pois mostra estilos díspares lado a lado, e cada um com seu
conceito, técnica, estilo e temática. Numa mostra dessas é preciso ir devagar,
mirando aos poucos para não haver conflito interno. Vê-se que a figura humana e
a religiosidade preponderam nas imagens. É como visitar um museu de arte, dando
a sensação que cada um está numa época. Gostei de um quadro de Márcia Prates
onde se vê, nas suas cores terrosas, um molho de sempre-vivas, outros elementos
e algumas pombas. Uma delas tem uma asa em movimento: a perfeição em
pessoa. União entre beleza e conhecimento anatômico. Tudo é maravilhoso e
todos são excelentes artistas? Eu não me arriscaria a dizer isso, até porque
não entendo de arte, e escrevo o que sinto ao ver as obras. Quando elas me
falam, me ganham. Pode-se dizer que muitas delas comunicaram-se comigo. Só por
isso já vale uma visita. É preciso buscar crescimento intelectual nas sete
artes, como bem me lembrou o artista plástico e médico Carlos Araújo: pintura,
escultura, arquitetura, música, literatura, dança, teatro e cinema. Haja pelo
menos criatividade, já que originalidade é um bem mais escasso.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
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