sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

A dor de um pai

* Por Raimundo Antonio

Eram mais ou menos 20h35m de um domingo passado, e o local do diálogo – quase monólogo – foi em frente ao setor de emergência do Hospital Regional Tarcísio Maia, em um dos bancos que circundam o jardim, defronte à entrada principal. Eu tinha ido levar meu filho – rapaz de 13 anos – para que o médico o examinasse a respeito de um mal-estar causado depois da volta de uma viagem. Enquanto a mãe o levava para dentro, fiquei apreensivo, à espera do seu retorno. Esperando, resolvi me sentar um pouco para acalmar-me.

O banco estava solitário, como a esperar por novos visitantes com suas conversas, suas histórias e, na maioria das vezes, seus choros de sofrimentos e perdas.

Não demorou muito, sentou-se ao meu lado um senhor, ainda jovem – quase da minha idade – que ficou a olhar o horizonte, impassível, enquanto descia pelo seu rosto um fio de lágrimas.

Não quis perguntar-lhe nada. Respeitei aquele momento, não me atrevendo a dirigir-lhe a palavra, mesmo que fosse para perguntar-lhe se ele estava bem; se precisava de alguma coisa; se eu podia ser-lhe útil. Foram minutos infindáveis.
 
Vez por outra eu o contemplava, na esperança que, ao olhar-lhe, criasse uma espécie de vínculo e o mesmo pudesse dizer o que estava sentindo ou o que realmente estava causando aquela tristeza, traduzida em seu rosto pelo enxugar das mãos nos olhos e, de vez enquanto, o soluço disfarçado em um pigarro.
 
Levei a mão ao bolso da camisa e tirei o maço de cigarros oferecendo ao companheiro de banco, na esperança de que o mesmo deixasse, por um momento, de contemplar o vazio e se dispusesse a conversar, para quem sabe, aliviar o que estava sentindo. Aceitou. Colocou-o entre os lábios e eu prontamente acendi-o. Deu uma longa tragada – dessas em que a brasa se torna viva – e olhando para o cigarro entre os dedos, falou pela primeira vez:
- Que vício desgraçado! Isso mata lentamente e todo mundo sabe, porém, ao mesmo tempo, relaxa, entorpece e acalma os nervos.

Concordei, ao mesmo tempo em que aproveitei para dizer-lhe que estava tentando parar com essa falsa sensação de bem-estar. Ele então me olhou bem dentro dos olhos, como a esperar encontrar ali um porto seguro, e desabafou:
- Uns preferem arriscar uma morte lenta, na esperança de que esse vício não seja a causa; outros simplesmente aceleram o vício e morrem antes de começar a viver. 
E continuou:
- Hoje pela manhã eu vim trazer o meu filho, que ficou internado, e agora à noite eu voltei para vir dormir com ele, trazendo-lhe roupa, material de higiene e comida. Ao me identificar na recepção, fui encaminhado para o médico de plantão, que me deu a mais dolorosa notícia que um pai pode receber. Ele disse que sentia muito, mas, infelizmente – apesar de todos os esforços – meu filho não tinha resistido e estava morto.

Ao dizer isso, aquele jovem senhor deixou escorrer – sem mais se preocupar em disfarçar – a quantidade de lágrimas que tinha retido até aquele momento. Fiquei em silêncio, sem saber o que dizer (acredito que nesses momentos palavras não dizem nada), pedindo a Deus proteção para o meu filho e que Ele o me devolvesse são e salvo.

O silêncio que se fez só foi quebrado – em várias vezes – pela chegada das ambulâncias, carros de polícia e de particulares, com pessoas, vítimas das mais diversas gravidades.
- Vinte anos! – disse.
- O meu filho tinha apenas vinte anos e morreu de uma overdose de cocaína! Tanto que eu lutei para que ele largasse as drogas! E agora? Como é que eu vou dar essa notícia à mãe e aos irmãos dele?!

Continuei calado, apenas olhando-o. Não sabia o que dizer. Passavam em minha mente, vários filmes de casos semelhantes – alguns com óbitos – de alunos meus.
- Espero que ele agora consiga, finalmente, a paz junto ao Senhor. Ele não vivia mais. Acordava para o vício e dormia somente quando o vício dominava seus sentidos – murmurou.

Levantou-se, olhou para mais uma ambulância que chegava, apertou a minha mão, se desculpou (aquilo me doeu! Por que ele se desculpou? Era eu que deveria pedir desculpas! Sim! Não tivera coragem de dizer alguma coisa que pudesse aliviar aquele sofrimento!) e saiu, enxugando com as costas das mãos o restante do seu desabafo.

“Maldito mundo cruel!” – exclamei. Quantos jovens ainda precisam sucumbir, para que os outros entendam que esse é um caminho sem volta?! Quantos lares ainda serão destruídos para que a sociedade se mobilize, efetivamente, para erradicar essa praga?!

Finalmente o meu filho veio em minha direção, completamente refeito da indisposição que o trouxera até ali. Sem dizer-lhe nada, abracei-o com força. Jurei naquele abraço que jamais deixaria de lutar por uma sociedade mais justa, sem vícios e livre de parasitas que enriquecem a custa da desgraça alheia.


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