sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O desconfiado da TI

* Por Rodrigo Ramazzini

Todo mundo em casa e eu indo trabalhar. Escravidão!”, reclamou Ronaldo para si mesmo ao entrar no trem quase vazio rumo ao trabalho. Era feriado e um chamado de emergência o obrigou a se deslocar até a empresa, onde atuava na área de Tecnologia da Informação.

Ingressou no trem e a irritação em que se encontrava se dissipou rapidamente, assim que notou a bela morena de coxas grossas sentada à sua direita. “Meu Deus do céu! Que mulher é essa, hein? Linda e muito gostosa. Nossa!”, pensou.

A morena como se lesse pensamentos abriu um sorriso para Ronaldo. Ele retribuiu e arrumou-se no assento. O barulho do trem em deslocamento inundou o vagão. Em meio às esporádicas cobiçadas na morena, que não lhe tirava os olhos, Ronaldo ficou a divagar sobre as próprias inquietações, mexendo no telefone e tendo como trilha sonora a banda Pearl Jam no fone de ouvido. Foi quando a morena inesperadamente bateu no seu ombro:

- Oi!
- Opa! Oi...
- Tudo bem?
- Tudo!
- O que está escutando?
- Pearl Jam. Gosta?
- Gosto! É muito bom!
- É mesmo!
- Um ótimo fundo musical para uma transa... Eu acho pelo menos!
- Ô se é!
- Está indo onde?
- Para o trabalho...
- Putz! Em pleno feriado? Com tanta coisa interessante para fazer...
- Pois é...
- Tomar um chopp comigo... Não seria um bom programa?
- Seria! Mas...
- Mas?

Silêncio. Ronaldo olhou a morena de cima a baixo. Era muita “areia para o seu caminhão”. O seu senso de desconfiança despertou. Tinha coisa errada. Não podia uma mulher linda como aquela se interessar por ele. Nunca tinha acontecido. “Por que agora?”, questionou-se. Não podia ser verdade. Tinha armação. “A esmola era demais”, pensou.

- Trabalha com o quê?
- Informática...
- Hum... Já desconfiava!
- Ué! Por quê?
- Todos vocês que trabalham com isso tem um jeitinho de nerds...
- Para com isso!
- E eu adoro!
- Hum...
- Tem um ar de mistério que me atrai. Sei lá!
- Sei... Sei... Trabalhas onde?
- Sou secretária.
- Sei...
- Por que essa cara?
- Não é modelo?
- Não!
- Não mesmo?
- Não!
- Sei... Sei...
- E aí, vamos tomar um choppinho?
- Não vai dar. Tenho que descer na próxima estação...
- E depois do trabalho, talvez?
- Fala sério!
- O quê?
- Estou participando de alguma pegadinha da televisão, né?
- O que está falando?
- Teste de fidelidade do João Kleber é isso?
- Não estou entendendo!
- Pegadinha do Domingo Legal, então?
- Não viaja!
- Da Record?
- Não viaja! Por que está perguntando isso?
- É que...
- Sua estação está chegando. Vamos ou não tomar um choppinho? Anota o meu telefone aí... Ou melhor, me adiciona no Facebook: Sheila Silva! Conversamos por lá! Nome?  
- Me diz uma coisa: vai me sair quanto essa saída?

Neste instante o trem para na estação.

- Como assim?
- Olha, como assim? Vai me sair quanto essa saída? Está na cara que você é...
- Agora entendi! Seu grosso! Estúpido! Idiota! Está pensando o quê? Palhaço!

Ronaldo desce do trem em meio aos xingamentos da morena. A situação o atordoa o restante do feriado. No dia seguinte, ele resolve desabafar com um amigo sobre o ocorrido e narra-lhe toda a história, que com uma visão menos cética e maior senso de oportunidade, indaga-lhe?

- Em algum momento chegou a te passar pela cabeça que ela realmente poderia estar interessada em ti?

A morena recusou-se a adicioná-lo no Facebook que mostrava o seu perfil como secretária de um escritório de advocacia. Todo o dia Ronaldo vai à estação de trem a sua procura, mas sem sucesso. Então, balançando a cabeça de um lado para outro e como um louco esbraveja penitenciando a si mesmo:

- Burro! Burro! Burro!



* Jornalista e contista gaúcho

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