Nosso
maior instinto
* Por Pedro J. Bondaczuk
O homem, como qualquer animal, é
dotado de um conjunto básico de instintos, dos quais, por mais que utilize a
razão (seu distintivo dos outros tantos seres viventes), não consegue
controlar. São mecanismos que atuam independentes, à revelia do raciocínio. O
maior deles é o da autopreservação.
Face ao risco, por exemplo, de
morrer, por falta de alimentos, chega a perder sua humanidade e se a
antropofagia for o único recurso de que dispuser, a praticará, sem dúvida alguma.
No cerco alemão a Leningrado (que voltou a ser rebatizada com seu nome anterior
ao período comunista, ou seja, São Petersburgo), durante a Segunda Guerra
Mundial, chegou a ser praticada em razoável escala, de acordo com testemunhos
dos que vivenciaram aquele drama.
Aliás, em ocasiões como essa,
qualquer coisa serve para mitigar a fome. Até carne humana, certamente. Os
primeiros bichos a serem devorados, nessas ocasiões, são os animais domésticos,
cães e gatos. Como se vê, a fidelidade canina aos humanos não é retribuída
nessas circunstâncias (e em tantas outras, muito menos dramáticas).
Em tragédias como esta, não
somente de escassez, mas de absoluta falta de alimentos, tudo o que possa ser
mastigado e razoavelmente digerido é consumido. É quando, por exemplo, a
população de ratos se reduz dramaticamente, beirando a extinção, já que esses
animais, que são asquerosos em condições normais, se transformam em apetitosos
“pratos” para a fera mais cruel da natureza, que redobra sua ferocidade quando
faminta.
Creia, amável leitor, esse
cenário dantesco não saiu da imaginação do cronista. Foram inúmeras as ocasiões
que isso se verificou ao longo da história. E caso (Deus nos livre), volte a
ocorrer uma situação como esta (que a médio prazo sequer pode ser descartada,
muito pelo contrário), a reação do bicho homem será rigorosamente essa. É o
instinto falando muito mais alto (gritando, certamente) do que a razão.
Essa é, queiram ou não os
puristas (ou alienados) a lei natural da espécie. Mesmo conscientes de que iremos
morrer um dia, algo mais forte do que nós reluta em aceitar essa realidade. No
fundo, no fundo, temos uma tola sensação de invulnerabilidade, como se fôssemos
diferentes dos demais espécimes da nossa espécie e fôssemos dotados da
prerrogativa de eternidade. Não somos, evidentemente. A razão sabe disso, mas o
instinto...não a aceita.
Face ao perigo, nosso mecanismo
instintivo detona duas reações básicas: fuga ou enfrentamento. Há situações em
que fugir se torna impossível. Quando isso ocorre, ai de quem nos ameace! Todo
e qualquer senso de piedade e moderação é inibido e prevalece o da
autopreservação.
Os suicidas agem contra a
natureza. Seus instintos ficam embotados pelo desespero e pela sensação de
falta de caminhos para uma vida produtiva e feliz Ferem, dessa forma, a lei natural. E quem tem
essa tendência potencial (não muito difícil de ser diagnosticada) é digno de
atenção e de tratamento, jamais de reprovação, que tende, apenas, a acelerar a
autodestruição.
Outro instinto poderosíssimo é o
da preservação da espécie. A razão levou o homem a “regulamentar” esse
processo, tornando o ato sexual menos brutal e selvagem. Levou-nos a
desenvolver todo um mecanismo de sedução, de conquista, que tornou menos banal
um ato que, com toda a poesia que eventualmente o cerque, tem um objetivo
fundamental: a reprodução.
Claro que alguns desajustados
corromperam esse instinto. A natureza é repleta desses desajustes e aberrações.
Transformaram o ato sexual, o mais importante dos instintos, em objeto de
“diversão”. Pior, de “compra e venda”, o que é muito mais aberrante do que
alguns “espertalhões”, que devem estar chamando o cronista de pirado, conseguem
entender.
Qual, porém, é o instinto básico,
fundamental, absoluto do bicho homem? O da autopreservação? O da conservação da
espécie? Não! É aquele que viabiliza ambos. Ou seja, o da sociabilidade.
Sozinho, o ser humano é um dos mais indefesos dos animais. Se não tiver a
companhia da fêmea, por sua vez, não terá como se reproduzir. Precisamos, uns
dos outros, muito mais do que estamos dispostos a admitir. .
Voltaire escreveu a respeito:
“Uma abelha que não fizesse nem mel nem cera, uma andorinha que não construísse
o ninho, uma galinha que nunca pusesse, romperiam a sua lei natural, que é o
instinto. Os homens insociáveis corrompem o instinto da natureza humana”.
E quantos destes não há por aí?!
Egoístas, violentos, aves de rapina, improdutivos, omissos e desajustados de
todos os tipos abundam. São incapazes de entender que aqueles aos quais ferem,
assassinam, roubam, agridem, prejudicam e desgostam são as âncoras que os
mantêm vivos. São, pois, erros da natureza, cujas leis são incapazes de
entender e muito menos de respeitar.
.
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio
Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor
do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico
de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos
livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos),
além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Sempre li que somos seres gregários, e aqui vejo a conveniência desse importante detalhe.
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