De volta ao normal
* Por
Fernando Yanmar Narciso
As exigências do mundo moderno... Alguém já deve ter dito que há um
Assis Chateaubriand dentro de cada um de nós, aquele insetinho da ambição que
vive em nosso cérebro sem pagar o aluguel. Quem é médico, engenheiro, advogado
ou qualquer outra profissão de status- Existe mais alguma?- há mais de 30 anos
sabe bem da imagem que tem a zelar. Seja útil ao mundo. Preocupe- se em crescer
cada vez mais, faça a diferença, garanta que todos vão se lembrar de seu nome
quando você fechar os olhos pela última vez. Seja alguém, seja o melhor, seja a
alma da festa!
Assim que escolhemos a profissão que vamos exercer até o fim dos dias,
ela sempre virá antes de seu nome. Assim que nos estabelecemos num ofício,
precisamos manter um par de olhos extras saindo pela nuca, pois a qualquer
momento pode aparecer alguém mais preparado que a gente e abocanhar nossa
clientela. E o único jeito de combater a concorrência, todos sabem qual é...
Trabalhar mais que todo mundo! Viver em função de sua profissão, estar sempre a
um pescoço de vantagem dos outros.
A pessoa deixa de existir como indivíduo, tornando-se uma mão dentro da
marionete, um estereótipo que criou para si. Ela é conhecida apenas pela função
que exerce no mundo. Quem a procura não dá a mínima pros sentimentos do
profissional, tudo o que querem é seu pedido entregue no prazo, sua doença
diagnosticada e encaminhada para a cura. E, como se esse estilo de vida já não
fosse estressante o bastante, o profissa ainda tem que ter em mente que pode
estar inspirando alguém a seguir a carreira dele, que provavelmente há alguém
que vê nele um exemplo a ser seguido. Isso sem falar em todos os impostos e
contas a pagar. E não se esqueça de manter aquele sorriso de balconista do
McDonald’s no rosto para quem quer que entre no escritório!
Há quem consiga seguir adiante nessa maratona no piloto automático, sem
se queixar. Entretanto, a maioria simplesmente acaba entrando em parafuso. O
estresse consegue ser uma vagabunda de vez em quando. O papelório, os pedidos
não param de cair no colo da gente, e cliente que se preza quer o que é dele
pra “tresontonte”, como dizem por aqui. Aí, quando o indivíduo enfim entrega os
pontos e quase joga a escrivaninha pela janela, todos estranham. O que foi que
deu nesse sujeito? Ele era tão competente no que fazia, por que tamanha
piração?
Pedimos uns dias de recesso, talvez férias adiantadas para tentar
recuperar o ânimo. Afastamos-nos de qualquer coisa que nos lembre da “enxada e
do sol quente”, e nada adianta. Os nervos continuam à flor da pele, e com essa
explosão começam a surgir os somatismos, os famosos tiques, aquelas condições
clínicas que, não importa quantos médicos digam que você não tem nada, continua
sentindo todos os sintomas. E, sendo pessoas racionais, lá vamos nós ou ouvir
sermão na igreja ou torrar a paciência do psiquiatra...
Quem gosta de ouvir falar em doença? As pessoas em geral acham que
conversar sobre problemas ou doenças atrai azar, portanto logo tentam mudar de
assunto. Pode-se até contar seus problemas para os outros, desde que conte como
os resolveu, “e viveram felizes para sempre”. Cedo ou tarde, todos precisamos
de terapia, assim é a era da modernidade. E quando nossos problemas ficam tão
insuportáveis que só o psiquiatra topa ouvi-los (e, mesmo assim, só pagando), a
coisa ficou mesmo feia pro nosso lado.
De hora em hora entra um psicótico com sua maneira heterodoxa de encarar
a realidade, e não raramente ele se levanta do divã sem que o doutor tenha dito
uma única palavra. Eles dizem que o papel do psiquiatra não é apontar a direção
a ser tomada, e sim conduzir-nos a achar a resposta dentro de nós mesmos. E, se
você o procura com a ilusão de que ele vai curar o seu problema, esqueça. Para
os males da mente não há cura, apenas controle. Logo, prepare-se para apertar a
mão do doutor muitas e muitas vezes...
Quando a gente pára para pensar, talvez não haja profissão mais difícil
de exercer que a do psiquiatra. O caboclo que aceita se enveredar pelo mais
sombrio da mente humana precisa ter nervos de aço, compaixão, um grande
conhecimento e, acima de tudo, um saco de elefante pra agüentar tanto paciente
praguejando sobre a própria vida. Claro que os psicotrópicos devem lhes dar uma
mãozinha. Às vezes ficamos a imaginar por que ele não ergue o paciente pelo
colarinho e berra olhando dentro dos olhos dele “SAI DESSA, SEU MERDA! O MUNDO
NÃO GIRA AO SEU REDOR”!
De qualquer jeito, continuamos na esperança de que ele consiga desvendar
a maçaroca amarfanhada e arrepiada que habita nosso crânio. E enquanto tentamos
nos restabelecer, a fila de serviço acumulado não pára de aumentar. O mundo
continua girando, os clientes/ pacientes infelizmente não adoecem conosco e não
estão nem aí pro nosso estado psíquico. Raramente perguntam à secretária “E ele
está melhorando”?A pergunta é sempre “E ele volta a trabalhar quando”?
Uma hora tudo cansa, até a depressão. Enfim, depois de muito sofrimento
e reflexão, começamos a ter sinais de melhora. Já não há mais tanta repulsa
pelo trabalho, apesar de ela ainda estar lá. A confiança aos poucos retorna e
aquela obsessão por passar o dia todo na cama já passou. Sentindo-nos
conformados com a vida, apanhamos a valise, lavamos o rosto, vestimos a velha
farda do estereótipo que criamos para nós mesmos... E lá estamos de volta à
ativa, fazendo tudo do mesmo jeito de antes. AH, a vida é boa!
*Designer e escritor. Sites:
Os psiquiatras também têm seus momentos de stress e precisam ser salvos pelos seus psiquiatras. Cada um aprende a fazer uma coisa e passa a fazê-la oito a dez horas por dia durante trinta e cinco anos. Alguns se cansam. Uma análise amalucada, mas ainda assim, bem realista.
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