quarta-feira, 7 de agosto de 2013

De volta ao normal

* Por Fernando Yanmar Narciso

As exigências do mundo moderno... Alguém já deve ter dito que há um Assis Chateaubriand dentro de cada um de nós, aquele insetinho da ambição que vive em nosso cérebro sem pagar o aluguel. Quem é médico, engenheiro, advogado ou qualquer outra profissão de status- Existe mais alguma?- há mais de 30 anos sabe bem da imagem que tem a zelar. Seja útil ao mundo. Preocupe- se em crescer cada vez mais, faça a diferença, garanta que todos vão se lembrar de seu nome quando você fechar os olhos pela última vez. Seja alguém, seja o melhor, seja a alma da festa!

Assim que escolhemos a profissão que vamos exercer até o fim dos dias, ela sempre virá antes de seu nome. Assim que nos estabelecemos num ofício, precisamos manter um par de olhos extras saindo pela nuca, pois a qualquer momento pode aparecer alguém mais preparado que a gente e abocanhar nossa clientela. E o único jeito de combater a concorrência, todos sabem qual é... Trabalhar mais que todo mundo! Viver em função de sua profissão, estar sempre a um pescoço de vantagem dos outros.

A pessoa deixa de existir como indivíduo, tornando-se uma mão dentro da marionete, um estereótipo que criou para si. Ela é conhecida apenas pela função que exerce no mundo. Quem a procura não dá a mínima pros sentimentos do profissional, tudo o que querem é seu pedido entregue no prazo, sua doença diagnosticada e encaminhada para a cura. E, como se esse estilo de vida já não fosse estressante o bastante, o profissa ainda tem que ter em mente que pode estar inspirando alguém a seguir a carreira dele, que provavelmente há alguém que vê nele um exemplo a ser seguido. Isso sem falar em todos os impostos e contas a pagar. E não se esqueça de manter aquele sorriso de balconista do McDonald’s no rosto para quem quer que entre no escritório!

Há quem consiga seguir adiante nessa maratona no piloto automático, sem se queixar. Entretanto, a maioria simplesmente acaba entrando em parafuso. O estresse consegue ser uma vagabunda de vez em quando. O papelório, os pedidos não param de cair no colo da gente, e cliente que se preza quer o que é dele pra “tresontonte”, como dizem por aqui. Aí, quando o indivíduo enfim entrega os pontos e quase joga a escrivaninha pela janela, todos estranham. O que foi que deu nesse sujeito? Ele era tão competente no que fazia, por que tamanha piração?

Pedimos uns dias de recesso, talvez férias adiantadas para tentar recuperar o ânimo. Afastamos-nos de qualquer coisa que nos lembre da “enxada e do sol quente”, e nada adianta. Os nervos continuam à flor da pele, e com essa explosão começam a surgir os somatismos, os famosos tiques, aquelas condições clínicas que, não importa quantos médicos digam que você não tem nada, continua sentindo todos os sintomas. E, sendo pessoas racionais, lá vamos nós ou ouvir sermão na igreja ou torrar a paciência do psiquiatra...

Quem gosta de ouvir falar em doença? As pessoas em geral acham que conversar sobre problemas ou doenças atrai azar, portanto logo tentam mudar de assunto. Pode-se até contar seus problemas para os outros, desde que conte como os resolveu, “e viveram felizes para sempre”. Cedo ou tarde, todos precisamos de terapia, assim é a era da modernidade. E quando nossos problemas ficam tão insuportáveis que só o psiquiatra topa ouvi-los (e, mesmo assim, só pagando), a coisa ficou mesmo feia pro nosso lado.

De hora em hora entra um psicótico com sua maneira heterodoxa de encarar a realidade, e não raramente ele se levanta do divã sem que o doutor tenha dito uma única palavra. Eles dizem que o papel do psiquiatra não é apontar a direção a ser tomada, e sim conduzir-nos a achar a resposta dentro de nós mesmos. E, se você o procura com a ilusão de que ele vai curar o seu problema, esqueça. Para os males da mente não há cura, apenas controle. Logo, prepare-se para apertar a mão do doutor muitas e muitas vezes...

Quando a gente pára para pensar, talvez não haja profissão mais difícil de exercer que a do psiquiatra. O caboclo que aceita se enveredar pelo mais sombrio da mente humana precisa ter nervos de aço, compaixão, um grande conhecimento e, acima de tudo, um saco de elefante pra agüentar tanto paciente praguejando sobre a própria vida. Claro que os psicotrópicos devem lhes dar uma mãozinha. Às vezes ficamos a imaginar por que ele não ergue o paciente pelo colarinho e berra olhando dentro dos olhos dele “SAI DESSA, SEU MERDA! O MUNDO NÃO GIRA AO SEU REDOR”!

De qualquer jeito, continuamos na esperança de que ele consiga desvendar a maçaroca amarfanhada e arrepiada que habita nosso crânio. E enquanto tentamos nos restabelecer, a fila de serviço acumulado não pára de aumentar. O mundo continua girando, os clientes/ pacientes infelizmente não adoecem conosco e não estão nem aí pro nosso estado psíquico. Raramente perguntam à secretária “E ele está melhorando”?A pergunta é sempre “E ele volta a trabalhar quando”?

Uma hora tudo cansa, até a depressão. Enfim, depois de muito sofrimento e reflexão, começamos a ter sinais de melhora. Já não há mais tanta repulsa pelo trabalho, apesar de ela ainda estar lá. A confiança aos poucos retorna e aquela obsessão por passar o dia todo na cama já passou. Sentindo-nos conformados com a vida, apanhamos a valise, lavamos o rosto, vestimos a velha farda do estereótipo que criamos para nós mesmos... E lá estamos de volta à ativa, fazendo tudo do mesmo jeito de antes. AH, a vida é boa!

*Designer e escritor. Sites:

Um comentário:

  1. Os psiquiatras também têm seus momentos de stress e precisam ser salvos pelos seus psiquiatras. Cada um aprende a fazer uma coisa e passa a fazê-la oito a dez horas por dia durante trinta e cinco anos. Alguns se cansam. Uma análise amalucada, mas ainda assim, bem realista.

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