segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013


Um príncipe no reveillon de Copacabana

Por Daniel Santos

Há nas festas de fim de ano uma expectativa de que algo de novo acontecerá e, no revéillon do ano 2000, talvez por esgotar-se o século, ou porque o milênio se finava, quem sabe por assim decidirem marketing/mídia, essa ansiedade potencializou-se como nunca antes.

Sozinho em casa e decidido a não me deixar impressionar com tanta alegria boba, liguei a tevê para assistir um filme, mas as câmeras voltavam-se para os festejos. Aferrei-me, então, a um livro, mas os fogos chegavam á minha janela para alardear a nova era. Estava cercado!

Me queriam na praia, não era isso? Vesti bermuda, camiseta e tênis (carioca é super à vontade!) e me mandei para Copacabana. No calçadão da Atlântica, respirei o alto-astral daquela festa, mas algo ali me incomodou: um solitário gari varria papéis atirados do alto dos prédios.

Por que varrer o que só deixaria de cair depois da meia-noite? Olhei interrogativo para o gari, e ele “hoje termina tudo, né?” e eu “termina o quê?” e ele “o século, o milênio” e eu “não, isso é jogada do comércio, o final será daqui a um ano”. Surpreso, aliviado, sua reação me surpreendeu.

Ao saber que faltava ainda um ano para o término dos prazos (de todos os prazos), largou a vassoura e, chorando convulsivamente como criança desamparada, me abraçou com a cara enfiada em meu peito. Abracei-o também e bastou: solidão e angústia afastaram-se dali.

Quando dei por mim, começava o espetáculo dos fogos de artifício, mas a clareira à nossa volta queria saber apenas de nós dois e, aí, uma dessas morenas de parar o comércio aproximou-se, pegou a cabeça do gari entre as mãos, beijou-lhe a testa e ... adivinha ... ele virou príncipe!

Entusiasmado, cegado pelas luzes multicoloridas que tingiam o céu, meteu-se num “trenzinho” que o povo formara para dançar na avenida. Ainda tentou se despedir de mim, mas tragou-o a multidão em festa. Na minha camiseta, a umidade das suas lágrimas sobre a frase “Feliz 2000”.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.


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