Os novos impressionistas
* Por Ronaldo Bressane
Osgemeos são o exato oposto dos
punheteiros da arte conceitual… aquele tipo de artista cuja obra não se
sustenta sem uma bula explicativa do lado ou um crítico amigo no bolso. Há
quinze anos eles simplesmente vão lá e fazem, ignorando regras estéticas,
a ordem pública ou a lei da gravidade. A dupla dinâmica é ainda o
epicentro da poderosa arte nascida e criada nas ruas de SP – com óbvias
influências no graffiti novaiorquino e seu pé no hiphop, porém hoje liberada
para canibalizar qualquer referência –, cujos nomes de frente são, entre
outros, Zezão, Speto, Nunca,
Vitché, Jana, Ise, Tikka,
TitiFreak, DeddoVerde, Flip, Nina,
Boleta. Artistas que, pela diversidade, fazem da
cena graffiti de São Paulo a mais importante do mundo, hoje.
Quando visitei pela primeira vez
a galeria Choque
Cultural, há uns dois anos, tive uma sensação
estranha. Imediatamente, reconheci nas paredes as imagens, os estilos e as
marcas que minhas retinas haviam captado e perdido tantas vezes nas
andanças por SP – tão naturais ao
meu cotidiano, era como se me pertencessem, participassem de meu imaginário
mais íntimo (certamente já teria sonhado com elas). Naquele sobrado da João
Moura um fortíssimo movimento artístico se demonstrava, sem programa
ou manifesto que não fosse o velho e bom do it yourself pretendido
tanto por punks quanto por impressionistas… sim, aqueles mesmos, que deram as
costas à academia e foram buscar ao ar livre suas próprias referências. Na
atitude intrépida e pela diversidade e consistência de cada estilo, chegando
para atropelar noções de bom-gosto de crítica e público, foi assim que os
vi: como os novos impressionistas.
Hoje, vários grafiteiros trocam
perigosos muros da cidade por confortáveis paredes brancas de galerias (alguns
nem se consideram mais grafiteiros, enquanto recém-chegados se dizem
grafiteiros só pra surfar o hype…), são puxasaqueados por marketing, mídia
e classmedia (’será que esse pôster do Speto vai combinar com a cor do
sofá da sala?’), e começam a ganhar dinheiro e notoriedade internacional
(osgemeos passaram grande parte de 2005 trabalhando no exterior). E, claro: por
ocuparem espaço no limitado mercado brasileiro, sempre latifundiado por
artistas bem-nascidos e melhor articulados, tomam suas primeiras pedradas da
crítica. Como vai ser essa passagem do meio-fio ao marchand, não sei – só
espero que não tenham o mesmo destino do Jean-Michel Basquiat, paradigma do
artista parido nas calçadas.
O que se sabe, não precisa ser
muito esperto para sacar, é que a primeira individual d’osgemeos é um
marco na arte brasuca. Não só pelo fato de a dupla transitar da efêmera
criação praticada em paredes a obras duradouras (orçadas, aliás, em R$
20 mil). E não só por simbolizarem uma mudança no público freqüentador
– e consumidor – de galerias. Mas sobretudo por Gustavo e Otávio terem ultrapassado o
plano bidimensional de quadros e muros rumo à tridimensionalidade de O
peixe que comia estrelas cadentes. Com impressionante riqueza de detalhes,
combinam barco, bicicleta, bonecos gigantes e outros minúsculos, luzes, trilha
sonora, traquitanas, jogos de espelhos… a um raro senso de espetáculo. Só
não sai maravilhado e emocionado da exposição quem já não sente mais nada,
dopado pelo papo-furado do crítico da moda ou pela fuligem das ruas.
*Escritor, jornalista e editor. Edita a revista V (www.vw.com.br/revistav)
e colabora com várias publicações, como Trip, Vogue e TPM. É um dos co-editores
da coleção Risco:Ruído, da editora DBA, e atua no HYPERLINK
http://impostor.blogspirit.com http://impostor.blogspirit.com.
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