Não se
esqueçam das máscaras!
Por Fernando Yanmar Narciso
Eu estava a ponto de fazer oito anos. Meu
aniversário viria no domingo, e sexta-feira era o dia do bailinho de carnaval
do colégio. Eu, como não poderia deixar de ser, só avisei para minha mãe que
precisava levar fantasia na véspera, ou seja, aparentemente teria de jogar
confete e serpentina nas pessoas com a cara limpa. Mesmo assim, concordamos que
eu devia levar minha boa e velha roupinha de Jaspion, que eu (milagrosamente)
já tinha há dois anos. Mas Fernandinho é Fernandinho, e como brinquedo nenhum
durava muito na minha mão, já tinha feito o favor de inutilizar a máscara, a
parte mais importante da fantasia, e até a máscara dos Flashman, que poderia
quebrar o galho, eu também tinha estragado. O que fazer então? Já que não dava
para inventar nada melhor, ela comprou na vendinha da esquina uma máscara do
King Kong de cartolina. E assim fui eu pular as marchinhas do Silvio Santos no
dia seguinte, como uma versão robótica do Planeta dos Macacos. E não me lembro
de ninguém apontando o dedo e curtindo com a minha cara naquele bailinho. Se
bem que, no meu caso, a fantasia nem faria muita falta, pois todos na escola já
me achavam um monstro indomável, por causa da hiperatividade. Eu já era um
palhaço sem maquiagem aos olhos do mundo.
Todos temos um lado meio Incrível Hulk dentro de
nós. Quase diariamente, ao nos olharmos no espelho pela manhã antes de encarar
as tribulações diárias, precisamos de alguns minutos nos encarando, juntando
forças para trazer à tona a versão de nós mesmos que todos conhecem. O Facebook
da vida real. Posso até imaginar João Gordo como um ator shakespeariano, lendo
Hamlet enquanto pendura os piercings na boca e na língua antes de esgoelar a
noite toda à frente dos Ratos de Porão.
Como na famosa peça À Sombra dos Laranjais, de Eça de Queiroz, em que fora do
picadeiro o palhaço é a pessoa mais deprê do mundo, Abelardo Barbosa, o
Chacrinha, passava por torturantes minutos no backstage, tentando trazer seu
personagem para fora das entranhas. Fora do palco ele era tão hipocondríaco,
triste e solitário como qualquer um de nós, mas bastava ele pôr a cartola de
purpurina e lantejoulas e sair pelas orelhas da réplica de sua cabeça no palco
e ele ficava tão feliz e delirante como qualquer Coringa que o Batman já
enfrentou.
Dizem que Patati e Patatá não têm o menor jeito com
crianças fora dos holofotes, fumam ao lado delas e torcem o nariz quando pedem
um beijo. Wandeco Pipoca, o primeiro ator a interpretar o Bozo, chegava a
mandar algumas praquele lugar durante os comerciais. No fundo, qualquer palhaço
deve ser como aquele tio solteiro e fanfarrão que toda criança tem, que vive
contando piada fora de hora e fazendo brincadeira de mau gosto com a gente pra
esconder como se sentem miseráveis por dentro.
Enquanto passeávamos pelo shopping, eu e mãe reparamos numa coisa insólita: Todos os atendentes das lojas estavam tristes e cabisbaixos, olhando a hora nos smartphones e zanzando no Face. Mas bastava um freguês aparecer e eles a máscara de bom anfitrião, sorrindo tanto para a gente que pareciam até maníacos sexuais. Uma falsidade só! Quer dizer, você está trabalhando num Shopping Center, numa cidadezinha do interior e durante o feriado de carnaval, assumidamente o necrotério do comércio. Vai ter vontade de sorrir por quê?
Mas a gente precisa fazer sala, para os fregueses e
os turistas não saírem do país falando mal da gente. O problema é que o país
passou a ser conhecido só pelo estereótipo que os gringos criaram do povo
brasileiro. Eles pensam que a gente só entende de futebol, sexo e samba. Nesses
desfiles da Sapucaí, dá para reparar as vezes que a folia não é sincera. Alguns
batuqueiros não raramente aparecem surrando seus surdos e tamborins com uma
tremenda cara de buldogue, mas basta perceberem que tem alguém filmando ou
turistas gringos por perto e logo abrem aquele sorriso Colgate, como se alguém
lhes desse uma cutucada por detrás. Os gringos precisam se sentir como se
estivessem num lugar mais feliz que a Disneylândia, então caprichem na recepção
e não deixem de convidá-los, especialmente se forem astros da música
"preocupados com as mazelas sociais", para dar um rolé no favelão
mais próximo. Para eles, isso é turismo exótico!
*Designer e escritor. Site: HTTP://terradeexcluidos.blogspot.com.br
Na verdade, não ficou sobre o Carnaval, e sim sobre as máscaras que somos obrigados a usar, conforme o batidão. Fez um passeio amplo, visitando máscaras alegres e tristes, mas todas são necessárias. Eu gostei.
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