quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013


Não se esqueçam das máscaras!

Por Fernando Yanmar Narciso

Eu estava a ponto de fazer oito anos. Meu aniversário viria no domingo, e sexta-feira era o dia do bailinho de carnaval do colégio. Eu, como não poderia deixar de ser, só avisei para minha mãe que precisava levar fantasia na véspera, ou seja, aparentemente teria de jogar confete e serpentina nas pessoas com a cara limpa. Mesmo assim, concordamos que eu devia levar minha boa e velha roupinha de Jaspion, que eu (milagrosamente) já tinha há dois anos. Mas Fernandinho é Fernandinho, e como brinquedo nenhum durava muito na minha mão, já tinha feito o favor de inutilizar a máscara, a parte mais importante da fantasia, e até a máscara dos Flashman, que poderia quebrar o galho, eu também tinha estragado. O que fazer então? Já que não dava para inventar nada melhor, ela comprou na vendinha da esquina uma máscara do King Kong de cartolina. E assim fui eu pular as marchinhas do Silvio Santos no dia seguinte, como uma versão robótica do Planeta dos Macacos. E não me lembro de ninguém apontando o dedo e curtindo com a minha cara naquele bailinho. Se bem que, no meu caso, a fantasia nem faria muita falta, pois todos na escola já me achavam um monstro indomável, por causa da hiperatividade. Eu já era um palhaço sem maquiagem aos olhos do mundo.

Todos temos um lado meio Incrível Hulk dentro de nós. Quase diariamente, ao nos olharmos no espelho pela manhã antes de encarar as tribulações diárias, precisamos de alguns minutos nos encarando, juntando forças para trazer à tona a versão de nós mesmos que todos conhecem. O Facebook da vida real. Posso até imaginar João Gordo como um ator shakespeariano, lendo Hamlet enquanto pendura os piercings na boca e na língua antes de esgoelar a noite toda à frente dos Ratos de Porão.

Como na famosa peça À Sombra dos Laranjais, de Eça de Queiroz, em que fora do picadeiro o palhaço é a pessoa mais deprê do mundo, Abelardo Barbosa, o Chacrinha, passava por torturantes minutos no backstage, tentando trazer seu personagem para fora das entranhas. Fora do palco ele era tão hipocondríaco, triste e solitário como qualquer um de nós, mas bastava ele pôr a cartola de purpurina e lantejoulas e sair pelas orelhas da réplica de sua cabeça no palco e ele ficava tão feliz e delirante como qualquer Coringa que o Batman já enfrentou.

Dizem que Patati e Patatá não têm o menor jeito com crianças fora dos holofotes, fumam ao lado delas e torcem o nariz quando pedem um beijo. Wandeco Pipoca, o primeiro ator a interpretar o Bozo, chegava a mandar algumas praquele lugar durante os comerciais. No fundo, qualquer palhaço deve ser como aquele tio solteiro e fanfarrão que toda criança tem, que vive contando piada fora de hora e fazendo brincadeira de mau gosto com a gente pra esconder como se sentem miseráveis por dentro.

Enquanto passeávamos pelo shopping, eu e mãe reparamos numa coisa insólita: Todos os atendentes das lojas estavam tristes e cabisbaixos, olhando a hora nos smartphones e zanzando no Face. Mas bastava um freguês aparecer e eles a máscara de bom anfitrião, sorrindo tanto para a gente que pareciam até maníacos sexuais. Uma falsidade só! Quer dizer, você está trabalhando num Shopping Center, numa cidadezinha do interior e durante o feriado de carnaval, assumidamente o necrotério do comércio. Vai ter vontade de sorrir por quê?

Mas a gente precisa fazer sala, para os fregueses e os turistas não saírem do país falando mal da gente. O problema é que o país passou a ser conhecido só pelo estereótipo que os gringos criaram do povo brasileiro. Eles pensam que a gente só entende de futebol, sexo e samba. Nesses desfiles da Sapucaí, dá para reparar as vezes que a folia não é sincera. Alguns batuqueiros não raramente aparecem surrando seus surdos e tamborins com uma tremenda cara de buldogue, mas basta perceberem que tem alguém filmando ou turistas gringos por perto e logo abrem aquele sorriso Colgate, como se alguém lhes desse uma cutucada por detrás. Os gringos precisam se sentir como se estivessem num lugar mais feliz que a Disneylândia, então caprichem na recepção e não deixem de convidá-los, especialmente se forem astros da música "preocupados com as mazelas sociais", para dar um rolé no favelão mais próximo. Para eles, isso é turismo exótico!

*Designer e escritor. Site: HTTP://terradeexcluidos.blogspot.com.br

Um comentário:

  1. Na verdade, não ficou sobre o Carnaval, e sim sobre as máscaras que somos obrigados a usar, conforme o batidão. Fez um passeio amplo, visitando máscaras alegres e tristes, mas todas são necessárias. Eu gostei.

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