quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013


O Semiárido Nordestino e a nova seca

* Por Leonardo Dantas Silva

Mais uma vez a população brasileira, que vive no Semiárido nordestino, está às voltas com as longas estiagens. Nas reuniões da Sudene, em Aracaju e no Recife, governadores e ministros se manifestaram acerca da situação calamitosa da estiagem em que vivemos, já se anunciando as cifras que deverão ser aplicadas no combate e na construção de centenas de barragens.
A escassez das chuvas deu causa nesta região, bem como nos demais Estados nordestinos, ao fenômeno das longas estiagens, simplesmente chamado de secas. O fenômeno cíclico, já registrado pelo padre Fernão Cardim em 1582, vem contribuindo para a perda da produção agrícola e até de preciosas vidas humanas.
As secas, segundo estudo de Pereira da Costa, se repetem nos anos de 1645, 1722-24, 1776-78, 1782, 1791-94, 1813, 1825-27, 1833, 1844-45, 1850-53, 1877-80, seguindo-se neste século dos anos de 1915-17, 1932-35, 1952-54, 1958-60, 1970-73, 1980-84, 1992-93. O fenômeno chegou aos nossos dias sem que nenhuma decisão política do governo brasileiro viesse solucionar, de vez, o triste flagelo responsável por milhares de mortos e pelo empobrecimento da região.
Em setembro de 1983, a Globo encetou uma campanha “Nordestinos, o Brasil em busca de soluções“, na qual 14 professores de dez universidades da região, percorreram 8 mil quilômetros e colheram depoimentos de 10 mil pessoas. Os informes coletados foram reunidos em bancos de dados e divulgados em documentos, seminários foram realizados, em busca de soluções, projetos diversos foram discutidos e apresentados, etc, etc. Quase 30 anos depois, tudo se encontra na mesma e as imagens da seca voltam a se repetir na telinha dos noticiários.
Os projetos para a solução do abastecimento d”água no Semiárido datam de mais de um século. Percorrendo o Rio São Francisco em 1867, o explorador inglês Richard F. Burton registra em seu diário, mais tarde publicado com o título Highlands of the Brazil (Londres 1869), o projeto da construção de um canal que drenaria as águas do “Nilo Brasileiro“, na altura do município pernambucano da Boa Vista, aproveitando as bacias hidrográficas da região. Ali, através do Riacho dos Porcos, que desemboca no Riacho Salgado, se procuraria atingir a bacia do Rio Jaguaribe, tornando perenes, graças as águas do São Francisco, todos os rios e riachos daquela área. “É um projeto gigantesco, comenta o autor inglês, que resolveria realmente a horrível praga da fome e despertaria de sua letargia a população do interior do Ceará e seus vizinhos das províncias da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Infelizmente, a cerca de 40 léguas, o caminho é interceptado pela Serra do Araripe, que separa o Ceará de Pernambuco”.
O desvio das águas do Rio São Francisco, visando abastecer Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte é um velho sonho, uma quimera que, só nas épocas de estiagem, torna-se objeto dos pronunciamentos dos parlamentares. Fala-se hoje em US$ 200 milhões, para a sua execução nos moldes propostos no século 19, mas nada de concreto foi realmente concluído. Enquanto isso, no meio da caatinga, o sol queima, a fome devora, a desnutrição mata…
Na memória de nossa gente altiva, porém, reacende-se o grito de protesto contra esse estado de coisas, partindo do nosso cancioneiro popular. Quando da seca de grassou o Nordeste entre 1952-54, dois pernambucanos, o médico e compositor Zé Dantas (José de Souza Dantas Filho) e o sanfoneiro Luiz Gonzaga, denunciaram ao Brasil esse ultraje cometido contra o povo nordestino. Em Vozes da seca, um baião-toada gravado em 1953, eles clamaram alto para todo o País: “Seu doutô os nordestino / Tem muita gratidão / Pelo auxílio dos sulista / Nesta seca do Sertão / Mas doutô uma esmola / Para o homem que é são / Ou lhe mata de vergonha / Ou vicia o cidadão”.
          · Jornalista e escritor do Recife/PE

Nenhum comentário:

Postar um comentário