O Semiárido Nordestino e a nova seca
* Por
Leonardo Dantas Silva
Mais uma vez a população brasileira, que vive
no Semiárido nordestino, está às voltas com as longas estiagens. Nas reuniões
da Sudene, em Aracaju e no Recife, governadores e ministros se manifestaram
acerca da situação calamitosa da estiagem em que vivemos, já se anunciando as
cifras que deverão ser aplicadas no combate e na construção de centenas de
barragens.
A escassez das chuvas deu causa nesta região, bem como nos demais
Estados nordestinos, ao fenômeno das longas estiagens, simplesmente chamado de
secas. O fenômeno cíclico, já registrado pelo padre Fernão Cardim em 1582,
vem contribuindo para a perda da produção agrícola e até de preciosas vidas
humanas.
As secas, segundo estudo de Pereira da Costa, se repetem nos anos de
1645, 1722-24, 1776-78, 1782, 1791-94, 1813, 1825-27, 1833, 1844-45, 1850-53,
1877-80, seguindo-se neste século dos anos de 1915-17, 1932-35, 1952-54,
1958-60, 1970-73, 1980-84, 1992-93. O fenômeno chegou aos nossos dias sem que
nenhuma decisão política do governo brasileiro viesse solucionar, de vez, o
triste flagelo responsável por milhares de mortos e pelo empobrecimento da
região.
Em setembro de 1983, a Globo encetou uma campanha “Nordestinos, o
Brasil em busca de soluções“, na qual 14 professores de dez
universidades da região, percorreram 8 mil quilômetros e colheram depoimentos
de 10 mil pessoas. Os informes coletados foram reunidos em bancos de dados e
divulgados em documentos, seminários foram realizados, em busca de soluções,
projetos diversos foram discutidos e apresentados, etc, etc. Quase 30 anos
depois, tudo se encontra na mesma e as imagens da seca voltam a se repetir na
telinha dos noticiários.
Os projetos para a solução do abastecimento d”água no Semiárido datam de
mais de um século. Percorrendo o Rio São Francisco em 1867, o explorador inglês
Richard F. Burton registra em seu diário, mais tarde publicado com o título
Highlands of the Brazil (Londres 1869), o projeto da construção de um canal que
drenaria as águas do “Nilo Brasileiro“, na altura do município
pernambucano da Boa Vista, aproveitando as bacias hidrográficas da região. Ali,
através do Riacho dos Porcos, que desemboca no Riacho Salgado, se procuraria
atingir a bacia do Rio Jaguaribe, tornando perenes, graças as águas do São
Francisco, todos os rios e riachos daquela área. “É um projeto gigantesco,
comenta o autor inglês, que resolveria realmente a horrível praga da fome e
despertaria de sua letargia a população do interior do Ceará e seus vizinhos
das províncias da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Infelizmente, a cerca de 40
léguas, o caminho é interceptado pela Serra do Araripe, que separa o Ceará de
Pernambuco”.
O desvio das águas do Rio São Francisco, visando abastecer Pernambuco,
Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte é um velho sonho, uma quimera que, só nas
épocas de estiagem, torna-se objeto dos pronunciamentos dos parlamentares.
Fala-se hoje em US$ 200 milhões, para a sua execução nos moldes propostos no
século 19, mas nada de concreto foi realmente concluído. Enquanto isso, no meio
da caatinga, o sol queima, a fome devora, a desnutrição mata…
Na memória de nossa gente altiva, porém, reacende-se o grito de protesto
contra esse estado de coisas, partindo do nosso cancioneiro popular. Quando da
seca de grassou o Nordeste entre 1952-54, dois pernambucanos, o médico e
compositor Zé Dantas (José de Souza Dantas Filho) e o sanfoneiro Luiz
Gonzaga, denunciaram ao Brasil esse ultraje cometido contra o povo nordestino.
Em Vozes da seca, um baião-toada gravado em 1953, eles clamaram alto para todo
o País: “Seu
doutô os nordestino / Tem muita gratidão / Pelo auxílio dos sulista / Nesta
seca do Sertão / Mas doutô uma esmola / Para o homem que é são / Ou lhe mata de
vergonha / Ou vicia o cidadão”.
· Jornalista e escritor do Recife/PE
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