quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013


Todos deveriam ver “Muito além do peso”

* Por Mara Narciso

Numa palavra? Impactante! O documentário brasileiro de 2012 “Muito além do peso”, dirigido por Estela Renner e produzido por Marcos Nisté, choca pela crueza das suas revelações. As causas da obesidade infantil, mostrada aqui como pandemia, e ocorrência nos cinco continentes, são apontadas de forma lúcida e inquestionável. Explicita de forma alarmante e assustadora o que muitos sabem, mas fazem vistas grossas. Trata-se de um alerta que, caso fosse minimamente seguido, pouparia muitos bilhões de reais, e sofrimento na mesma dimensão. E por qual motivo não aparece na grande mídia?

As pessoas estão dependentes de embalagens, cores, aditivos químicos, odor e sabor artificiais, sal, gordura e açúcar em proporções bíblicas. Seguindo a flauta de Hamelin, vão apáticas, levadas para a morte sem demonstrar resistência. Inebriadas pela chamada da publicidade, caminham passivas ao encontro do prazer, fidelizador do vício. São os alimentos processados que as capturaram, e o pior, as crianças são seus principais alvos e vítimas.

Quando o governo tenta uma reação, agindo pela conscientização, as grandes empresas alimentícias tomam a bandeira, e fingindo-se de cordeiros, massacram os incautos com seus mísseis publicitários, e ainda posam de bons moços. Tudo é feito para ludibriar. Os rótulos são meras perfumarias nessa enganação. As quantidades criminosas de açúcar são omitidas ou ofuscadas por termos que não são da compreensão do público, como carboidrato, por exemplo. O famoso “zero de gordura trans” engabela mais uma leva de consumidores levando-os a crer que o produto não tem gordura e faz bem a saúde. Ou o “enriquecido com cálcio e vitaminas”. Resultado: sobrepeso e obesidade, seguidos pelo diabetes, colesterol alto, hipertensão, problemas respiratórios, circulatórios e articulares. As doenças de velhos, pela primeira vez na história estão atacando crianças, e os avanços da medicina são neutralizados por elas. Os meninos de hoje deverão viver menos do que seus pais. E produzirão muito mais lixo.

Os pequenos obesos do Oiapoque ao Chuí, de leste a oeste, são os grandes prejudicados, dos quais a maioria permanecerá gorda quando adulta. Quem poderia imaginar até há pouco tempo a existência de obesidade grave em crianças pobres do Piauí? Pois isso já existe, graças à publicidade predatória dos produtos, atrelada a imagens de heróis infantis e brinquedos adquiridos compulsoriamente na compra do “alimento”. Os pais que não conseguem controlar seus filhos, que dão birra para forçar a compra do que querem, são tidos como fracos, e sem pulso por essa mesma publicidade irresponsável. Os dados estatísticos alarmantes são mostrados nas entrevistas de autoridades brasileiras e estrangeiras numa sequência que vai preocupando o espectador a cada tópico. A mesma criança personagem aparece várias vezes no filme, ao longo de irretocável montagem, com falas arrepiantes.

É ao mesmo tempo constrangedor e triste ver pessoas, feito gado, entrando às levas nos locais de venda, e saindo felizes, acreditando estar de posse do que há de melhor para si e seus filhos. A mãe desmama precocemente para dar ao seu neném leite enlatado, e ainda se jacta por conseguir fazer isso. Mais da metade coloca refrigerante nas mamadeiras. O produto embalado dá status a quem o consome, e as crianças, na luta desigual de seus pais, contra a propaganda que os bombardeia fulminantemente pela televisão, não querem levar fruta ou suco para a escola, e se o fazem, comem escondidos, com receio da zombaria dos colegas.

Infelizmente, quanto mais a pessoa sobe na escalada de salário, pior come. E depois reclama de estar a cada dia mais pesada. Abandona a comida de pobre e vai embevecido de encontro às embalagens e seu colorido mágico. Dentro, quantidades imorais de tudo que faz mal. E as autoridades deixam. Deveríamos como pessoas conscientes, nessa luta inglória e titânica, tentar reverter o processo. Mas quem pode contra o poder de milhões de dólares?

As embalagens crescem, o conteúdo aumenta e o vício assola. As cantinas escolares fizeram uma tímida caminhada de volta ao passado, época em que os alimentos processados eram exceção e não regra. Impressiona as crianças pequenas sorrirem e chamarem pelo nome pacotes de salgadinhos, refrigerantes, sucos de caixinha, bolachas recheadas (um pacote equivale a oito pães de sal), e outras maiores errarem nomes de frutas e legumes, numa desinformação desconcertante.

Muito pedagógica é a linha de produção da salsicha. Quem vê aquilo deveria sentir nojo e não comer mais. Tal preparado parece um dejeto, não alimento, mas é o lixo que as escolas mais servem. As crianças manifestam surpresa ao saberem o que tem dentro das embalagens e podem, quem sabe, lutar para se afastar do veneno. Ver o filme é primordial para se informarem. É instrutivo, e mostra em 80 minutos o que o mundo capitalista esconde.

Amor com amor se paga, assim como para se defender se usa as mesmas armas. As chamadas publicitárias são virulentas? Pois o documentário também é, e com alto poder de convencimento. A música de filme de terror e a tomada de imagem quando uma criança obesa de afasta é digna de um prêmio. "Gostaria que esse filme passasse em cada sala de aula do Brasil", disse Frei Betto. Os informados concordam.


*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade” – blog http://www.teclai.com.br/   

6 comentários:

  1. Valeu o texto, ótimo como sempre, e o link. Obrigado, Mara! Abraços.

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    1. Agradecida, Marcelo. A gente vai vendo e não quer acreditar, mas está ali na nossa frente. É muito triste. Muito obrigada pela atenção de sempre.

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  2. Muito bom, Mara!Tenho ficado cada vez mais atenta em relação aos alimentos. Em relação a filhos, mais ainda. Sou adepta de frutas, legumes, verduras, o tradicional arroz e feijão. Pouco açúcar, nada de guloseimas. A escola incentiva o consumo de alimentos mais naturais, então embarco nessa. Obrigada pelo texto e pelo link do filme. Abraço!

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    1. Faz bem, Sayonara. É uma luta desigual, mas tempos de tentar e persistir. Agradeço a sua presença.

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  3. Mara,
    bom assunto.
    O Brasil segue pelo mesmo caminho. Não ?
    Existe uma falta de educação alimentar.
    Guloseimas só no final de semana. Não deveria ser assim ?
    Menos guloseimas e mais exercícios.
    O problema é q os adultos não sabem mais educar os filhos.
    Em todos os sentidos.
    E ainda existe um outro problema : quando vou ao supermercado reparo nos carrinhos lotados de bobagens.
    Será que o vazio existencial tb causa obesidade ?
    Com a palavra Doutora Mara.

    Bjs !

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    1. Celamar,
      É comum a pessoa preencher com comida todos os seus vazios. O tédio também leva a pessoa a comer muito, e os avanços tecnológicos estão formando uma legião de inválidos. Obrigada por comentar.

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