Delimitação do campo
histórico
A tese do historiador
inglês, Arnold Toynbee, sobre a gênese, o progresso e a posterior decadência
das várias civilizações, posto que lógica e objetiva, é bastante complexa. É um
desafio para leigos, como eu, tratar com clareza e objetividade, de sorte que
todos a entendam, ainda mais em meia dúzia, se tanto, de textos, tendo em conta
que ele a expôs em doze alentados volumes. Exige, pois, um poder de síntese que
provavelmente não tenho.
Tentarei, porém, expor
pelo menos suas idéias básicas a propósito e da maneira mais didática e
explícita que me for possível. Toynbee, antes de tudo, propõe que o
pesquisador, ao abordar esse tema, proceda como o cirurgião. Este, antes de
fazer a primeira incisão no corpo do paciente, em qualquer cirurgia, delimita,
visualmente, o “campo cirúrgico” em que irá atuar. O historiador deve proceder
da mesma maneira. Ou seja, precisa “delimitar o campo histórico”.
Toynbee afirma que essa
delimitação não é a descrição, pura e simples, de fatos singulares ocorridos em
determinadas áreas geográficas e em um tempo escolhido aleatoriamente. E que
nem se trata de crônica de Estados específicos, com seus organismos políticos e
sociais. Não é nem mesmo a narrativa de acontecimentos de toda a humanidade,
tomada como unidade, em uma época determinada. Esse procedimento retrata as
sociedades para as quais o estudo é voltado, mas não explica as razões de seu
progresso ou decadência ou da sua sobrevivência ou extinção.
Para Toynbee, por
exemplo, a definição usual de país é imprecisa, vaga e, portanto, incorreta. E
essa imprecisão induz o pesquisador a equívocos. Nesse aspecto, ele concorda
com o poeta indiana Rabindranath Tagore (embora sequer o cite), de que “país
não é a terra, mas os homens que essa terra nutre”. Para o ilustre historiador
inglês – conforme explica o sociólogo Pitirim A. Sorokim, em seu livro “Novas
teorias Sociológicas – os campos inteligíveis do estudo histórico “são
sociedades”. Estas têm extensão que extrapola espaços territoriais e o tempo em
que se constituíram. São mais amplas, portanto, do que Estados nacionais , ou
cidades-Estados, ou quaisquer outras comunidades de caráter político.
Toynbee classifica as
sociedades de “átomos sociais”. Defende que elas é que devem ser os objetos de
interesse dos pesquisadores da História, por serem embriões de civilizações, e
não meramente os acontecimentos em si, que entende como secundários. O
procedimento da maioria, porém, é diametralmente oposto. Seu interesse
concentra-se exclusivamente nos fatos, em detrimento das causas e das conseqüências.
O conceito de Toynbee
sobre civilização difere bastante do de outros estudiosos de História – e não necessariamente
historiadores – como o filósofo alemão Oswald Spengler e o médico e humanista
Albert Schweitzer, por exemplo, a propósito. E mais ainda do que nós, leigos,
entendemos. Pergunte ao seu colega do lado como ele define esse conceito e,
certamente, caso tenha um pouquinho que seja de instrução, ele responderá,
recorrendo ao seu antônimo, dizendo que é o oposto de selvageria, de barbárie e
de atraso. Não deixa, claro, de ter razão.
A enciclopédia eletrônica
Wikipédia, todavia, alerta que não se trata apenas disso, dessa idéia tão simplória
e primária. Ressalta: “Civilização é um complexo
conceito da antropologia e história.
Numa perspectiva evolucionista é o estágio mais avançado de
determinada sociedade humana, caracterizada basicamente pela sua fixação ao
solo mediante construção de cidades, daí derivar do latim civita que designa cidade
e civile (civil) o seu habitante”.
Para Oswald Spengler, civilização é a
consequência de uma cultura, um de seus estágios, na verdade, o último antes do
início da decadência de determinada sociedade. Representa, pois, uma conclusão
de uma etapa. Traz em si as sementes da destruição. É “a morte seguindo-se à
vida, a rigidez substituindo a expansão, a velhice intelectual”. Como se vê, o
conceito de civilização de Spengler é muito diferente daquele que temos.
O médico, filósofo e
humanista alemão Albert Schweitzer – ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1952 –
todavia, entende, grosso modo, esse “complexo conceito” mais ou menos como nós
o entendemos. Apenas não se preocupa com seu aspecto material, mas sim com a
evolução psíquica e espiritual de determinada sociedade. Ele escreveu a
propósito: “A civilização é dupla em sua natureza: realiza-se pela supremacia
da razão, em primeiro lugar sobre as forças da natureza e, em segundo lugar,
sobre a disposição dos homens”.
Na impossibilidade de expor com a desejada
clareza esse complexo conceito, recorro, mais uma vez, à Wikipédia, para
resumir as colocações a propósito: “Muitos historiadores têm-se centrado nessas esferas culturais amplas e têm
tratado as civilizações como unidades distintas. Um filósofo do início do
século XX, Oswald Spengler, usa a palavra alemã ‘Kultur’, ‘cultura’,
para o que muitos chamam de uma ‘civilização’. Spengler acredita que a
coerência de uma civilização é baseada em um único símbolo primário cultural.
As culturas experimentam ciclos de nascimento, vida, declínio e morte, muitas
vezes suplantados por uma cultura nova poderosa, formada em torno de um novo
símbolo cultural atraente. Spengler defende que a civilização é o início do
declínio de uma cultura como, ‘... os estados mais exteriores e artificiais dos
quais uma espécie de humanidade desenvolvida é capaz’.
E
prossegue: “ “Este conceito de ‘cultura unificada’ da civilização também
influenciou as teorias do historiador Arnold J.
Toynbee em meados do século XX. Toynbee explorou os processos da
civilização em seu livro Um Estudo da História,
que traçou a ascensão e, na maioria dos casos, o declínio de 21 civilizações e
cinco ‘civilizações presas’. Civilizações em geral declinam e somem, de acordo
com Toynbee, devido ao fracasso de uma ‘minoria criativa’, através de um
declínio moral ou religioso, para atender algum desafio importante, ao invés de
meras causas econômicas ou ambientais’. Voltarei, certamente, a tratar das
ideias do revolucionário escritor inglês a propósito da História, buscando
expor aspectos mais práticos, menos teóricos e mais compreensíveis, portanto,
ao leigo.
Boa
leitura.
O
Editor.
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