Lição de astronomia
* Por Daniel Santos
O
que havia sob a saia das mulheres? – costumava perguntar à época em que só garotos do ginásio
conversavam sobre isso, enquanto espremiam espinhas e babavam o mesmo cigarro
atrás do muro da escola.
Mas
eles não me queriam por perto, chegavam mesmo a calar na minha presença e,
quando ouvi de um deles que certa garota o levara “às nuvens”, negou-se a me
explicar como se atingia altura tão excelsa.
Tinha,
pois, de investigar e quase descobri. Era hora do recreio, Maria Luísa comia
sua pêra e cruzou as pernas. Olhei e nada vi, que uma incompreensível vertigem
me tragava inteiro. Saí, então, correndo.
Esse
primeiro susto não me intimidou e perseverei na pesquisa. O que faltava
aprender entendi numa inesperada lição, quando
minha prima saiu certa noite após o temporal para se encontrar com o
namorado.
A
lua lavava sua mecha fulva numa poça diante de nossa casa e, para ganhar a rua,
a prima teve de saltá-la. Na pressa, arrepanhou a saia e pulou. O espelho
d’água me mostrou, então, o recôndito do mistério.
Um
segundo apenas, mas o suficiente para eu ver que estrelas, milhares delas!,
subiam pelas pernocas tão claras quanto a Via Láctea e formavam lá no fundo
deslumbrantes constelações. Fiquei siderado!
Meus
olhos seguiam aquela evolução estonteante e, ao dar por mim, levitava! Subi
mais e logo cheguei às nuvens. Às nuvens – assim dissera o garnisé do ginásio. Mas agora eu
já sabia e não lhe perguntei mais nada.
* Jornalista carioca.
Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São
Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de
"O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995,
Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002,
Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca
Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
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