quarta-feira, 12 de maio de 2010




Guimarães Rosa no teatro

* Por Marco Albertim

Enfim, Guimarães Rosa é levado ao teatro. Com o que há de melhor de sua obra, um ícone, no gênero, da literatura regional. “A hora e vez de Augusto Matraga” foi adaptada pelo dramaturgo André Paes Leme. Está sendo encenada por uma trupe de oito atores, da Sarau Agência de Cultura Brasileira. No conto, o autor, mesmo que oculto, imiscui-se com os personagens; inda que não assumindo o culto ao fatalismo, à sina da tragédia anunciada, inevitável. Na encenação, os trinta personagens da obra surgem e ressurgem no perfil corporal e na voz dos oito artistas. A performance não se circunscreve tão somente às falas; mostra-se também no discurso narrativo, como nos entrechos de Rosa. Destaque para Ernani Morais no papel de Joãozinho Bem-Bem, Coronel Afonsão e Tio Nervoso; o ponto alto, porém, está na encarnação de Joãozinho Bem-Bem; por causa da tensa polarização com Matraga, por causa dos relinchos cavalares na voz. Nos relinchos, roça a hilaridade, não torna-se bufão; convence. Já o ator Pedro Gracindo não convence, fazendo as vezes do jumento que transporta Matraga, depois de despedir-se da negra “mãe Quitéria”, que curara suas feridas. Gracindo provoca o riso no público; e o momento é de tensão, do incógnito porvir de Matraga.

No papel de Matraga, Jackyson Costa não tem o porte físico da criatura de Guimarães Rosa, do que ela evoca nas páginas; no físico e na voz. Mas o ator convence na assunção do tenso perfil de Augusto Matraga, à espreita de sua “hora e vez.” Na lembrança agônica do sexo ativo, àquela altura remoto. Rosa assim a descreve: “E a força da vida nele latejava, em ondas largas, numa tensão confortante, que era um regresso e um ressurgimento”. Na altura em que os ex-capiaus de “Nhô Augusto” arremetem porretes nas suas costas, a densidade da violência desce do palco, tensiona o público; mesmo que os golpes sejam num trapo de tecido sobre um tronco, os gritos da vítima juntam-se à vindita dos agressores. As dores impressionam.

Faz falta a personagem filha de Matraga; porque é filha de Dionóra, que foge levando-a, para se “amigar” com “seu Ovídio”. A Rosa não escapou a pungência do futuro incerto da menina de dez anos, posto que “Seu Ovídio pegou a menina do colo de Quim – capiau subordinado a Matraga –, que nada escutara ou entendera e passou a cavalgar bem atrás”. A fuga de Dionóra não se anunciara, mas se entrevira na relação desigual, de dominação do marido sobre a mesma, porque “Nhô Augusto (...) Dela, Dionóra, gostava, às vezes; da sua boca, das suas carnes”. Georgiana Góes não se mostra atriz robusta de dotes, mas exibe, insinua a fartura de “carnes”, objeto dos poucos desejos do marido saciado.

Toda a peça se enriquece com os versos cantados pelo elenco, a começar de Jackyson Costa com o violão anunciando o personagem, advertindo:
“Vida do outro é mistério
Sina da gente é segredo
Ninguém pode duvidar
Sertão virado do avesso
Sorte mudada no azar”

* Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.

2 comentários:

  1. Que seja apenas o começo.
    Bons auspícios.
    Salve Guimarães Rosa.
    Abraços

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  2. Maravilha, Marco. Ainda que não esteja perfeito, é Guimarães Rosa...É um começo.
    Aqui um ator, Toninho Rodrigues, trabalhou com o conto "Meu Tio Iauaretê", e transformou-o em um monólogo. Perfeito. É de emocionar a atuação dele. Que mais grupos teatrais encenem nosso grande escritor!
    Abraços

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