quarta-feira, 12 de maio de 2010




Atenda, por favor!

* Por Mara Narciso

Os anos passaram e o vaticínio de Sérgio Motta, amigo de Fernando Henrique Cardoso, mostrou-se real e aconteceu em tempo mais rápido do que o esperado. Ele disse que o telefone celular custaria tanto quanto um sorvete.

No começo dessa aventura, há 20 anos, quem ligava, pagava preço altíssimo, e quem recebia a chamada também dividia a conta. Por ser um serviço de custo proibitivo, quem dele pudesse usufruir galgava outro patamar social: era alguém. O aparelho já tinha povoado novelas, mas em tom de deboche, mostrado como algo excêntrico, onde a personagem o levava para todos os lugares ostentando-o, como se fosse um bichinho de estimação.

Vi o artefato pessoalmente pela primeira vez numa pizzaria. Era domingo, perto do meio-dia, e a casa estava quase vazia. Lá estava ele, ocupando o centro do recinto. A mulher telefonadora estava sozinha e sentada a uma mesa central. Em sua frente tinha um copo de bebida, e ao ouvido uma parafernália estranha. Todos olharam para ela, porque dava gritos altíssimos. Parecia louca, bradando sozinha. Não sabíamos de pronto, mas a mulher estava falando ao telefone celular, aquele desconhecido. O ridículo da situação chamou a atenção, e causou desconforto. Muitos que viam aquela cena esdrúxula pensavam: nunca passarei por um vexame desses, ou, nunca terei um telefone celular, ou ainda, quem precisa disso?

Mas o que era uma curiosidade, onde a explicação da desnecessidade era quem precisar de mim me encontrará em casa, foi pouco a pouco se revertendo. O aparente incômodo de ser encontrado em qualquer lugar, com perda da privacidade, passou a ser um luxo e logo depois uma necessidade. Os retardatários cederam ao conforto de poder falar de qualquer lugar, especialmente em deslocamentos, estradas, e na busca de endereços desconhecidos. Ainda mais quem gosta de rastrear os outros.

O custo do aparelho, no começo, era de uns dois salários mínimos, e poucas chamadas já dariam uma conta do mesmo tamanho. Depois dos tijolos de mais de meio quilo, os celulares, acompanharam a tecnologia dos outros setores, tornaram-se menores, mais leves e mais capazes. As funções principais foram ampliadas, e ainda permitem telefonar.

O número de operadoras foi aumentando, a concorrência entre elas foi multiplicando-se, o preço das chamadas reduzindo-se, aconteceu o surgimento do pré-pago, e assim, quando descobrimos, o aparelho de telefone celular estava popularizado.

Os usuários de planos mais antigos pagam mais caro do que os novatos, mas não são avisados disso. Assustam-se com a conta ainda hoje, e não entendem como as pessoas podem telefonar tanto. Mas há uma verdade escondida: os antigos clientes acabam pagando pelo uso mais barato dos clientes novos, a menos que procurem a operadora e façam um novo plano. O PROCON deveria atuar com rigor contra essa prática.

Há muito tempo todos têm um celular, o telemóvel dos portugueses. Mesmo sabendo que as pessoas possuem coisas importantes para falar durante os minutos do dia e da noite, outros precisam ser achados ou encontrar alguém, ainda assim, perturba ver gente atender telefonemas nos momentos mais impróprios. Faz parte do mundo contemporâneo e é preciso perdoar aos mal-educados.

Por outro lado, há os que sabem usar essa tecnologia. O serviço está em quase todos os rincões, chegando até aos mais isolados, mas acontecem interrupções nas ligações, sons cortados, linhas que caem, situações estas que são rotina, e não apenas história.

Devido a esses percalços, alguns procuram as ruas para telefonar. A ausência de paredes para interceptar as ondas eletromagnéticas facilita a comunicação. Os gatunos ficam de olho nos desatentos, e poderão levar o celular, que tem alto valor nos presídios, embora custem pouco aqui fora.

Dia desses, ao sair de uma clínica cardiológica, ainda de manhazinha, vi na parte externa do prédio cerca de uma dúzia de telefonautas. Todos, com o aparelhinho no ouvido, andando pra lá e pra cá, na calçada, e até mesmo no meio da via pública, telefonando e falando, uns em tom alto, outros em tom baixo, mas se comunicando a distância. Fugiam do bloqueio das paredes dos edifícios, e faziam uma festiva algazarra. Eram predominantemente representantes de laboratório esperando os médicos. Reconheci um deles e perguntei curiosa:
-É aqui o telefonódromo?

*Médica endocrinologista, acadêmica do oitavo período de Jornalismo e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”

6 comentários:

  1. Bom texto, Mara. Tenho celular mas detesto usá-lo e levá-lo comigo. Minha birra é particularmente maior por morar bem em frente a uma torre - criminosamente instalada, sem alvará de funcionamento, sobre uma caixa d'água do serviço de água e esgoto de Campinas. Estranho, né? Enfim...
    Um abraço e parabéns pelo texto.

    ResponderExcluir
  2. Interssante o texto, Mara. Ontem vi em minha gaveta um antigo tijolaço, acho que foi meu primeiro celular. Adoro as novas tecnologias, só não gosto de excessos. Esqueço muito o telefone em casa, por distração. Conheço quem o faça para não se sentir com a tal "coleira eletrônica." Abraço!

    ResponderExcluir
  3. Não gosto de celular.
    Só servem para me denunciar.
    Já tive um "tijolão" que me fez pagar
    o maior mico na faculdade.
    É um mal necessário, sei sempre onde meu
    filho está.
    Abraços

    ResponderExcluir
  4. Amigos leitores, esse incômodo e barulhernto companheiro nos deixa loucos quando toca fora de hora, e ainda piores quando deveria tocar e mantém-se mudo. Antes rejeitado, foi incorporado como alimento. Meu celular toca, logo existo. Não fui original, mas fiz uma constatação atual. Obrigada a todos!

    ResponderExcluir
  5. Muito bom seu texto, Mara. É incrível como não se vê mais ninguém sem celular. Quando saio a pé encontro praticamente todo mundo com um no ouvido. Parece um mundo de doidos, uma porção de gente falando sozinha; é até engraçado...E quando toca no meio de um filme, de uma apresentação de teatro?
    Beijos

    ResponderExcluir
  6. Risomar, algumas vezes me pergunto sobre o que estariam fazendo essas pessoas caso não estivessem telefonando. Parece que usar o celular virou condição primordial de sobrevivência.

    ResponderExcluir