sábado, 15 de maio de 2010




O Brasil fora da Copa: a hora do urubu

* Por André Falavigna

O caso é simples: se alguém, mais do que viver falando besteira, viver de falar besteira, passar treze anos falando besteira, em algum momento vai acabar dizendo algo que, por aparente alinhamento com a realidade, não soará como besteira. Isso no futebol é fácil. Como só uma das duas equipes que entram num jogo pode sair vitoriosa, é só dizer uma besteira qualquer e esperar. Se o jogo empatar, tudo sempre pode ser visto a partir de um ponto de vista que favoreça a besteira dita. Se a equipe na qual depositáramos as nossas mais belas besteiras falhar por pouco, sempre teremos como imputar a falha a detalhes aqui e ali retocados, mas não precisaremos assumir besteira nenhuma. Se não falhar, então o processo poderá ser invertido totalmente: tudo aquilo que se disse que, ainda que acidentalmente, não viesse ao completo encontro da besteira dita anteriormente, poderá ser classificado como besteira, gostosamente. Isso tudo dá bem menos trabalho do que ver as partidas inteiras. Se repetirmos uma besteira mil vezes, mesmo que dermos o azar de ter que esperar uns treze bons anos, ela se tornará inteligente. O Dr. Goebbels foi o primeiro moderno comentarista esportivo brasileiro da História.

O Brasil não tem mais cura. Perdeu completamente a capacidade de contemplar a realidade. Precisa, a todo custo, ajustá-la ao conteúdo ideologicamente aprovado (não digo um conteúdo, e sim o conteúdo, e é isso mesmo). Que isso tenha se tornado mais do que um modo de vida, um modo de ver o mundo que permeou até as coberturas futebolísticas, é o sinal dos tempos. Ontem, num programa de televisão veiculado por um canal fechado, numa dessas mesas-redondas que, supostamente, deveriam ser sérias e serenas, técnicas e até mesmo fofas, um comentarista qualquer, no afã de se ver vingado por treze anos de dura e ofensiva realidade, disse algo que equivalia a dizer que meio metro e dois metros eram a mesma coisa. E ninguém o interpelou. Não é que o sujeito mentiu: depois de passar treze anos mentindo para si mesmo, a pessoa perde completamente a capacidade de dizer o que quer que seja sem mentir. Dá até pena.

Ou quase. Porque quando eu me lembro que nem essa overdose de pequenas e grandes vinganças vai satisfazer essa gente, que tudo isso só vai tirar esse pessoal ainda mais um pouco do eixo, que agora é que ninguém mais vai pensar antes de falar, de escrever, e que todos vão se regozijar na própria genialidade a cada imbecilidade que disserem nos próximos quinze ou vinte anos, aí fico é com pena de mim. A derrota da seleção brasileira não tem nenhuma significação esportiva muito séria: em futebol, como na vida, é impossível ser feliz para sempre. A derrota do escrete só tem significação moral: servirá para sedimentar o mau jornalismo esportivo que fazemos, o hábito obtuso de se falar do que não se viu, de se tentar modificar o passado a murros, a fim de se ajustá-lo a um futuro que nunca veio (ele nunca vem), de se viver no mole e ainda se julgar no direito de ser muito, muito bravo com uma injustiça dessas. Pensando bem, não é o caso de se ter pena. É de vomitar, mesmo.

(*) André Falavigna é escritor, tendo publicado dezenas de contos e crônicas (sobretudo futebolísticas) na Web. Possui um blog pessoal no qual lança, periodicamente, capítulos de um romance. Colabora com diversas publicações eletrônicas.

Um comentário:

  1. No futebol as pessoas podem falar as bobagens que quiserem, mas serão execrados aqueles que ousarem fazer besteira dentro das quatro linhas. Em um mês estrearemos na copa. Que façamos bonito com os pés e o cérebro.

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