Tristes Trópicos
Prezados leitores, boa tarde.
Pode o cientista de formação se aventurar, impunemente, no mundo das letras e produzir literatura de primeira linha, como qualquer bom escritor? Teoricamente, sim. Usualmente, não. O escritor e o cientista são condicionados a raciocinar de formas opostas. O primeiro, enfatiza a subjetividade. O segundo é, essencialmente, objetivo.
O escritor, por seu turno, quase sempre que se aventura a escrever sobre ciência, se enrola todo, confunde suas leis e conceitos básicos e não faz nem uma coisa e nem outra. Ou seja, nem texto científico e nem literatura. Afinal, ciência não é, a rigor, a sua “praia”.
Há, todavia, exceções, e de parte a parte. Uma delas é “Tristes Trópicos”, considerado um dos principais livros do século XX, escrito pelo antropólogo, filósofo e etnólogo Claude Lévi-Strauss (que faleceu sábado, 31 de outubro, aos 101 anos de idade), em que um cientista transita com desenvoltura pelo mundo das letras e produz literatura de primeiríssima grandeza.
A obra é tão rica, no aspecto literário, que chegou a haver proposta para que concorresse ao Prêmio Goncourt. Todavia, os responsáveis por essa premiação, a contragosto, tiveram que recusar a postulação. O motivo é que não se tratava de romance. E o prêmio é destinado exclusivamente a ficcionistas.
No livro, Lévi-Strauss relata uma viagem que empreendeu ao Brasil nos anos 30. Embora se tratasse, como ressaltei, de um austero e discreto cientista, o autor decidiu produzir uma obra diferente da que se poderia esperar dele: pessoal, audaciosa e espontânea, quase que uma crônica, apesar da sua extensão, ou seja, das suas 500 páginas.
Strauss traça, em “Tristes Trópicos”, a trajetória das relações entre o velho e o novo mundo. Analisa o lugar do homem na natureza, além do sentido da civilização e do progresso.
O livro foi recebido com entusiasmo pela comunidade literária, mas com indisfarçável mau-humor pela confraria dos cientistas. A ensaísta Catherine Clément assim se referiu à obra: “Insólitas, desconcertantes, desvairadas, saltando épocas, os anos, as estações, palpitantes, as fulgurações de ‘Tristes Trópicos’ são do tipo que traçam caminhos na noite. E isso ainda perdura”.
Se você, amável leitor, ainda não leu esse livro, leia. Certamente não irá se arrepender. E verá que, sem perder a objetividade característica da sua disciplina, o cientista pode, sim, produzir excelente obra literária, repleta de emoção e verdade, quando se propõe a tanto.
Strauss, entre outras coisas, faz observações curiosas, mas todas pertinentes, sobre sociedades indígenas brasileiras. Mas não só isso. Praticamente disseca nossos costumes, tradições, crenças, cultura, e nossa peculiar maneira de ser, tudo entremeado de reflexões filosóficas a respeito de inúmeros temas, entre os quais as concepções de progresso e de civilização.
Renovo, aqui, a promessa que fiz ontem, de que voltaria a tratar, e bastante, desse eminente cientista, que viveu no Brasil, lecionou na Universidade de São Paulo e que jamais escondeu sua admiração por nós e pelo nosso País. Certamente, voltarei.
Boa leitura.
O Editor.
Prezados leitores, boa tarde.
Pode o cientista de formação se aventurar, impunemente, no mundo das letras e produzir literatura de primeira linha, como qualquer bom escritor? Teoricamente, sim. Usualmente, não. O escritor e o cientista são condicionados a raciocinar de formas opostas. O primeiro, enfatiza a subjetividade. O segundo é, essencialmente, objetivo.
O escritor, por seu turno, quase sempre que se aventura a escrever sobre ciência, se enrola todo, confunde suas leis e conceitos básicos e não faz nem uma coisa e nem outra. Ou seja, nem texto científico e nem literatura. Afinal, ciência não é, a rigor, a sua “praia”.
Há, todavia, exceções, e de parte a parte. Uma delas é “Tristes Trópicos”, considerado um dos principais livros do século XX, escrito pelo antropólogo, filósofo e etnólogo Claude Lévi-Strauss (que faleceu sábado, 31 de outubro, aos 101 anos de idade), em que um cientista transita com desenvoltura pelo mundo das letras e produz literatura de primeiríssima grandeza.
A obra é tão rica, no aspecto literário, que chegou a haver proposta para que concorresse ao Prêmio Goncourt. Todavia, os responsáveis por essa premiação, a contragosto, tiveram que recusar a postulação. O motivo é que não se tratava de romance. E o prêmio é destinado exclusivamente a ficcionistas.
No livro, Lévi-Strauss relata uma viagem que empreendeu ao Brasil nos anos 30. Embora se tratasse, como ressaltei, de um austero e discreto cientista, o autor decidiu produzir uma obra diferente da que se poderia esperar dele: pessoal, audaciosa e espontânea, quase que uma crônica, apesar da sua extensão, ou seja, das suas 500 páginas.
Strauss traça, em “Tristes Trópicos”, a trajetória das relações entre o velho e o novo mundo. Analisa o lugar do homem na natureza, além do sentido da civilização e do progresso.
O livro foi recebido com entusiasmo pela comunidade literária, mas com indisfarçável mau-humor pela confraria dos cientistas. A ensaísta Catherine Clément assim se referiu à obra: “Insólitas, desconcertantes, desvairadas, saltando épocas, os anos, as estações, palpitantes, as fulgurações de ‘Tristes Trópicos’ são do tipo que traçam caminhos na noite. E isso ainda perdura”.
Se você, amável leitor, ainda não leu esse livro, leia. Certamente não irá se arrepender. E verá que, sem perder a objetividade característica da sua disciplina, o cientista pode, sim, produzir excelente obra literária, repleta de emoção e verdade, quando se propõe a tanto.
Strauss, entre outras coisas, faz observações curiosas, mas todas pertinentes, sobre sociedades indígenas brasileiras. Mas não só isso. Praticamente disseca nossos costumes, tradições, crenças, cultura, e nossa peculiar maneira de ser, tudo entremeado de reflexões filosóficas a respeito de inúmeros temas, entre os quais as concepções de progresso e de civilização.
Renovo, aqui, a promessa que fiz ontem, de que voltaria a tratar, e bastante, desse eminente cientista, que viveu no Brasil, lecionou na Universidade de São Paulo e que jamais escondeu sua admiração por nós e pelo nosso País. Certamente, voltarei.
Boa leitura.
O Editor.
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